DISCOS
Edan
Beauty and the Beat
· 17 Abr 2005 · 08:00 ·
Quando Eminem e 50 Cent pareciam prestes a ter polidos e cintilantes todos os discos de platina acumulados nas paredes das mansões de cada um, eis que, de bandeira pirata em punho, surge Edan para borrar a pintura e, em conformidade, espalhar brasas em torno da periferia que procura defender munido do seu corrosivo paleio. Enquanto consequência directa de um meio fértil em testosterona, as batalhas territoriais, quando disputadas à lei da bala, produzem mártires instantâneos como Notorious B.I.G. e Tupac Shakur. Caso a lei seja a da palavra, torna-se o bairrismo propício a fascinantes e altamente produtivos feudos modernos como aquele que opunha Nas (N.A.Z., de acordo com a MTV Portugal) e Jay-Z na Nova Iorque de há alguns anos. Pela forma destemida como surge entre as portas dobradiças do saloon hip hop, identifique-se Edan como o mercenário forasteiro, prontamente disposto a aniquilar toda a nova escola por um punhado de protagonismo.
Ao peito inchado, acrescente-se a auto-suficiência (ele rima, gira os discos, produz) de alguém que, ao lado do companheiro de armas Mr. Lif, sobreviveu à dissipação da efervescência criativa ocorrida na Boston dos últimos anos do passado milénio. Tal como o Will Hunting de Gus Van Sant, também Edan (Portnoy) é um “bom rebelde” - brilhante na aplicação da matemática que subtrai “groove” aos recantos mais obscuros do funk e jazz pré-80 para assim igualar os feitos dos pioneiros que tenta emular. Mesmo que geralmente soe a reminiscente e derivativo (a base é, afinal e quase sempre, o “sample”), a apurada técnica, que demonstra no “baralhar e voltar a dar”, traz renovada frescura à matéria – maleável e manipulada à mercê de um delírio narcótico - que o alquimista Caucasiano desenterra a fontes inesgotáveis como o rock psicadélico (o poltergeist de Hendrix está omnipresente).
O método Edan concede primazia às raízes (pertencentes à “golden age”, segundo o próprio) em detrimento da sofisticação cosmopolita que conduziu gente como os N. E. R. D. aos píncaros. O autor do excelente Primitive Plus revela-se satisfeito e orgulhoso na condição de renegado que chafurda na lama, como a Fink Bräu (essa bebida de culto) que não conhece complexos perante as cervejas mais populares e vendidas.
Atendendo à certeza de que superar o debute Primitive Plus seria missão quase impossível, Beauty and the Beat borrifa-se completamente para as expectativas criadas pela imprensa britânica (a importação conhece maior reconhecimento no Reino Unido) e revela intacta a pujante causticidade do multi-funcional artista. Lixívia a quem quer lixívia. Ainda assim, o novo disco de Edan apresenta uma redução substancial no que toca ao potencial anedótico associado ao músico. Pela forma como se revela mais psicadélico e labiríntico, Beauty and the Beat remete para a minúcia dos seus mecanismos a atenção outrora exigida pelo humor de latrina. Nem por isso deixa de ser significante e contínuo a nível lírico: Edan continua a debitar os nomes dos mestres que o inspiram e a lançar farpas certeiras em todas as direcções (Lenny Kravitz é alvejado na “mouche”), sempre com a mesma sinceridade e como se não acreditasse no dia de amanhã. Por afinidade, Beauty and the Beat quase terá direito a roçar os calcanhares desse acontecimento histórico que foi Paul’s Boutique dos Beastie Boys.
Talvez seja esta a melhor altura para, através do convite Edan, redescobrir o género a partir do seu apelo lúdico. A grandiosidade maquilhada é fugaz, uma boa anedota sobrevive a décadas. Edan é um "speak-up comedian" e Beauty and the Beat um segundo sketch que só não surpreende quem assistiu ao primeiro. O humor fácil tornou-se inteligente. As portas ainda estão abertas.
Miguel ArsénioAo peito inchado, acrescente-se a auto-suficiência (ele rima, gira os discos, produz) de alguém que, ao lado do companheiro de armas Mr. Lif, sobreviveu à dissipação da efervescência criativa ocorrida na Boston dos últimos anos do passado milénio. Tal como o Will Hunting de Gus Van Sant, também Edan (Portnoy) é um “bom rebelde” - brilhante na aplicação da matemática que subtrai “groove” aos recantos mais obscuros do funk e jazz pré-80 para assim igualar os feitos dos pioneiros que tenta emular. Mesmo que geralmente soe a reminiscente e derivativo (a base é, afinal e quase sempre, o “sample”), a apurada técnica, que demonstra no “baralhar e voltar a dar”, traz renovada frescura à matéria – maleável e manipulada à mercê de um delírio narcótico - que o alquimista Caucasiano desenterra a fontes inesgotáveis como o rock psicadélico (o poltergeist de Hendrix está omnipresente).
O método Edan concede primazia às raízes (pertencentes à “golden age”, segundo o próprio) em detrimento da sofisticação cosmopolita que conduziu gente como os N. E. R. D. aos píncaros. O autor do excelente Primitive Plus revela-se satisfeito e orgulhoso na condição de renegado que chafurda na lama, como a Fink Bräu (essa bebida de culto) que não conhece complexos perante as cervejas mais populares e vendidas.
Atendendo à certeza de que superar o debute Primitive Plus seria missão quase impossível, Beauty and the Beat borrifa-se completamente para as expectativas criadas pela imprensa britânica (a importação conhece maior reconhecimento no Reino Unido) e revela intacta a pujante causticidade do multi-funcional artista. Lixívia a quem quer lixívia. Ainda assim, o novo disco de Edan apresenta uma redução substancial no que toca ao potencial anedótico associado ao músico. Pela forma como se revela mais psicadélico e labiríntico, Beauty and the Beat remete para a minúcia dos seus mecanismos a atenção outrora exigida pelo humor de latrina. Nem por isso deixa de ser significante e contínuo a nível lírico: Edan continua a debitar os nomes dos mestres que o inspiram e a lançar farpas certeiras em todas as direcções (Lenny Kravitz é alvejado na “mouche”), sempre com a mesma sinceridade e como se não acreditasse no dia de amanhã. Por afinidade, Beauty and the Beat quase terá direito a roçar os calcanhares desse acontecimento histórico que foi Paul’s Boutique dos Beastie Boys.
Talvez seja esta a melhor altura para, através do convite Edan, redescobrir o género a partir do seu apelo lúdico. A grandiosidade maquilhada é fugaz, uma boa anedota sobrevive a décadas. Edan é um "speak-up comedian" e Beauty and the Beat um segundo sketch que só não surpreende quem assistiu ao primeiro. O humor fácil tornou-se inteligente. As portas ainda estão abertas.
migarsenio@yahoo.com
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