DISCOS
Eluvium
An Accidental Memory in the Case of Death
· 13 Dez 2004 · 08:00 ·
Eluvium
An Accidental Memory in the Case of Death
2004
Temporary Residence


Sítios oficiais:
- Eluvium
- Temporary Residence
Eluvium
An Accidental Memory in the Case of Death
2004
Temporary Residence


Sítios oficiais:
- Eluvium
- Temporary Residence
Reclamo a extinção do domingo - esse dia de que só os estupidamente alegres usufruem. A segunda-feira é ideal para folgar, nem que seja por ser o dia d'"Os Sopranos". O domingo existe essencialmente para que as famílias possam ir ver um filme de animação que recicla os "gags" dos mais rentáveis produtos do género. A manhã do amaldiçoado dia serve para que, mais tarde ou mais cedo (conforme o andamento), se assimile uma lição absoluta de vida: o Guronsan é mais eficaz que dois ovos crus ou sumo de tomate. Uma jornada que corre pior ao clube do coração (tenho quatro pastéis de Belém atravessados) ou a programação do canal que outrora pertencera à Igreja são outros motivos recorrentes que substanciam o meu pedido. O horror, o horror!

Suspire agora de alívio, pois há Eluvium - o herói neo-romântico com quem, em caso de apuros, se pode contar. Matthew Cooper, qual Peter Pan desencantado, retomava em Lambent material o pós-qualquer-coisa dos últimos anos como pretexto para um conjunto de solilóquios que ora deslumbrava pela sua frescura, ora afastava devido aos lugares-comuns. Ainda assim e de forma subtil, o desequilibrado debute evidenciava rascunhos de um potencial autor. Aos poucos, descobriam-se nas asas de Eluvium os primeiros sinais de penugem. Optando por uma via que o primeiro disco não faria antever, An Accidental Memory in the Case of Death limita-se a um piano e na sua unicidade encontra a melhor forma de trazer à tona de água o que permanecia esquecido no fundo do lago de mesurado pretensiosismo.

Compreende-se que o cristal sinta fobia do trapézio sem rede, mas, no bom espírito "desafia um medo a cada dia", lá se afoita ao arriscado malabarismo. Ao que parece, An Accidental Memory... foi gravado em apenas duas horas e chega até nós sem que tenha sido submetido a quaisquer misturas, edição ou pós-produção. O piano vai nu e a servir-lhe de camaristas caminham atrás de si os dedos. Juntos infiltram-se ao jeito do Cavalo de Tróia no âmago das memórias queridas.

Como se se tratasse de um antídoto ao veneno exalado pela língua afiada de Adolfo Luxúria Canibal, a alga que abunda por este dilúvio é azulada por oposição ao vermelho, a placidez rouba intensidade ao que é rubro num jogo de poker a feijões. O mundo de Eluvium não conhece outro compromisso que não o de finalizar a trajectória do satélite emocional: a faixa que encerra o percurso é uma extensão da que lhe serve de inicio.

Tudo o resto tem de ser escutado em vez de lido. As linhas que por aqui escrevi não são mais que meras coordenadas. A acrescentar a essas, fique descansado aquele que tema dar de ouvidos com titânica pasmaceira, por ser este um disco exclusivamente centralizado no piano. Tais ameaças à fertilidade moram nos panfletos que publicitam as recomendações natalícias. O músico disfarçado de Eluvium irradia sensibilidade "indie" e tem o bom senso de não se esticar na duração do disco, que dura menos de meia hora (chega a saber a pouco).

E porque as folhas também dançam (ou alguém me convenceu disso), faz todo o sentido que alguém componha música à medida do acontecimento. Lembram-se do saco de plástico que bailava em "Beleza Americana"? Mora neste disco e espera a vossa visita um domingo destes.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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