DISCOS
Fonzie
Wake up call / Built to rock
· 23 Nov 2004 · 08:00 ·
Fonzie
Wake up call / Built to rock
2004
Movie Play


Sítios oficiais:
- Fonzie
- Movie Play
Fonzie
Wake up call / Built to rock
2004
Movie Play


Sítios oficiais:
- Fonzie
- Movie Play
Certo dia, Paul Leary (o lunático que lidera os Butthole Surfers) disse qualquer coisa como:"Só quem nunca viveu na merda durante uma digressão tem coragem de criticar uma banda que opte por assinar por uma major. São aqueles que ainda vivem à custa dos pais os primeiros a apontar o dedo." O demónio do Texas concluía a declaração com palavras que prefiro não citar. Agora que é famoso, o rato deixou de ser modesto. É bem provável os olhos "indie" de Conor Oberst deixem de brilhar pois dois dos seus singles alcançaram o topo da Billboard. Pela mesma tabela, os Fonzie parecem ser constantemente perseguidos pelo simples facto de terem alcançado a merecida reputação de que gozam lá fora.

Formou-se um núcleo invisível de conspiradores que, por mesquinhez ou pura dor de corno, evidenciam um doentio empenho na missão de sabotar a ascensão do colectivo. Os argumentos invocados por tal facção passam mais vezes pela roupa ou postura da banda do que pela música que pratica. Eles que voam por entre os píncaros do continente asiático vêem-se agrilhoados aos reveses de uma Judiciária Inquisição a cada vez que pisam território luso. Chega a meter dó que tenham de perder metade do precioso tempo reservado a causas promocionais em múltiplas justificações (veja-se a entrevista cedida há pouco tempo ao Sol Música). Goste-se ou não do "la la la" e destemida atitude rockeira dos Fonzie, a verdade é que o sucesso não lhes bateu à porta do dia para a noite, a triunfante internacionalização não aconteceu por acaso. Antes de apontar a mira, o cepticismo vigente deverá passar os olhos pelo excelente motor promocional - o site www.fonzietime.com - que o próprio João (bateria) concebeu. Escute-se Melo Pot (agora despromovido a maqueta) para entender que, já naquela altura, era evidente a convicção de uns Fonzie que, com a aventura sueca, se atreveram a dar continuidade ao passo à frente que os destacava do restante pelotão melódico. Built to rock é uma aposta ganha no que toca a sofisticação, não destoando como valoroso e aprazível "standard" de punk-rock ligeirinho. Já Wake up call patina na sua ambição sem nunca desfalecer ou sequer surpreender. Bisturi afiado, venham até mim esses dois discos!

Escusado será perder-me em comparações, pois são conhecidas as referências da banda que adoptou como seu o nome do personagem mais "cool" da série "Happy days" (Heeey...). Built to rock arranca com uma sequência tripla (exclua-se a introdução de 10 segundos) arrebatadora: "Drive my vespa to the movies" faz do colorido do Verão os seus acordes e das milhentas sensações dessa estação o seu refrão, "Rock my heart" combina as harmonias do "easy listening" e o imediatismo do formato "radio friendly" sem - pasme-se - soar a descartável. Já "I miss ya" é provavelmente uma das melhores músicas dos Fonzie, nem que seja pela soberba forma como codifica a saudade "punk rocker" no planar agudo dos efeitos de guitarra. O naipe de solarengos trunfos converteu-se num glorioso "hat-trick" de singles de sucesso ("I miss ya" a encabeçar o pódio e a servir de mote a um divertido teledisco filmado pela própria banda). Os indicies de eficácia "catchy" abrandam após o sprint inicial sem que, mesmo assim, o disco perca o fôlego até à meta - "Fresa" e "Secret spot" estabilizam o ritmo a manter durante a prova de resistência. Built to rock poderia naturalmente ombrear com a melhor colheita da Vagrant e, contabilizando os seus pontos altos, tem atractivos mais que suficientes para não ficar atrás de qualquer produto resultante da actual linha de montagem MTV (cartão amarelo para essa gente toda!). O "debut" oficial dos Fonzie esteve à altura das suas expectativas, faz jus à vocação a que se compromete o seu título e, além de ter feito escola, assume-se como um álbum superior dentro do género.

Wake up call partia para os escaparates com três barreiras a transpor: o cepticismo com que se recebe os estrangeirados, as expectativas redobradas impostas por um primeiro disco francamente bem sucedido e as costas voltadas de um público que ruma, desde há um par de anos, em direcção a um rock mais visceral onde o "the" é a palavra de ordem. O segundo tomo dos Fonzie teria de obrigatoriamente apresentar provas de progresso. Reconheça-se que consegue tal proeza, evidenciando uma maturação omnipresente e um crescente brio arrancado ao orgulho asiático (a locução que apresenta a banda é pronunciada em japonês). Tudo do que aqui desfila em parada parece muito mais talhado para as dimensões do estádio. Os Fonzie parecem nesta altura do campeonato sofrer da síndrome Weezer pós-Pinkerton: perdida a adorável ingenuidade, a banda passa a depender apenas da qualidade dos refrões-isco. A resposta telegráfica "Sorry (this is all I've got" e o demasiado provável "Gotta get away" cumprem nesse aspecto. Enquanto que, por sua vez, muito do que se escuta a partir de "You want" faz com que a miragem formada se torne um deserto de ideias que importem realmente ser exploradas (piscar o olho à electrónica não basta). Tal como acontecera no lançamento anterior, o facto da segunda metade ser claramente mais fraca torna-se uma fragilidade ainda mais flagrante. Os Fonzie de Wake up call são demasiado iguais a eles mesmos. Se isso é defeito ou virtude, fica ao critério de cada um. Não restem, no entanto, dúvidas de que o mais recente lançamento dos autores de Melo pot agradará a fãs e curiosos

Porém, a certeza é só uma: os Fonzie não são os Radiohead, daí que não seja viável confrontá-los com as mesmas exigências. Também não são particularmente virtuosos ou inovadores na prática musical, mas colmatam essa lacuna com o aguçado engenho que apura a sua fórmula. A tal que desenvolveram (e muito bem) como pioneiros (ou exponentes máximos) por cá. Fizeram milagres com os meios de que dispunham e os resultados estão à vista. Quem sabe se o maior defeito que lhes possa ser apontado não seja o facto de terem sido exportados em vez de importados? Partem em Dezembro à conquista da Austrália. Os cães ladram, mas a caravana passa. It's Fonzie time!
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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