DISCOS
Black Dice
Creature Comforts
· 22 Out 2004 · 08:00 ·
Black Dice
Creature Comforts
2004
Fat Cat


Sítios oficiais:
- Black Dice
- Fat Cat
Black Dice
Creature Comforts
2004
Fat Cat


Sítios oficiais:
- Black Dice
- Fat Cat
As montras e prateleiras das livrarias ensinam mil e um truques para atingir felicidade e paz interior (num mundo ocidental em movimento frenético a paz que propõem só pode ser obtida de forma ilícita e é sempre de curta duração). Nas bancas com discos, a secção New Age oferece xaropadas pan pipe, electrónicas sintetizadas para acompanhar solidões pós-laborais a quarentões à procura de repouso. Uma multidão de pós-adolescentes e adultos recentes procuram música que sossegue mente e coração, mas exercite o cérebro. Ou, pelo menos, que não o adormeça.

Entretanto, Nova Iorque arde e ferve como - arrisquemos dizer - não se assistia desde a no wave. Parte do movimento underground derivado da ética punk que tantos brilhantes músicos anti-académicos (gestores de ruído, arquitectos de jams com olhos vítreos fitados no céu) vai gerando, os Black Dice, autores do sublime Beaches and Canyons, regressam ao formato longa-duração. O termo "Out Rock", uma das secções de crítica da revista Wire, assenta-lhes bem: sendo avant-garde, são também rock, mas fora das convenções e limitações auto-impostas pela estrutura musical. O método é simultaneamente rock e anti-rock: instrumentos rock - baixo, bateria e guitarra - são manipulados electronicamente. Em Creature Comforts, o paradoxo é duplo: a manipulação gera sons aparentemente orgânicos e naturais.

Creature Comforts não soa a nada que já tenham feito e daí a sua coerência na discografia admirável do grupo. Beaches and Canyons era o mar a entrar pela praia deserta adentro, o vazio dos locais inabitados feito drone. Creature Comforts é menos paisagístico e mais vivo, sanguíneo, pulsante; mais humano e extraterreste (as criaturas do título não são identificáveis senão na imaginação do ouvinte). Pormenor importante: as guitarras aparecem sem máscaras em figuras simples, quase sempre dedilhadas entre o caos ou a despontar dele como raio de luz.

Creature Comforts é uma recolha infindável de sons concretos da natureza, colocados em camadas, de forma aleatória, a criar ritmo da cacofonia, linhas de guitarra delicadas e choros de criança (como em "Treetops"). É batucada africana, a convocar as criaturas da selva toda ("Creature"). É dissonâncias várias, noise sem ferir demasiado os ouvidos ("Night flight"), por vezes próximo de Here Comes The Indian dos amigos Animal Collective.

A peça central, "Skeleton", desfia 15 minutos de beleza naturalista, num ondular contínuo de guitarras fugidias (como uns My Bloody Valentine num vale fundo) e ecos de voz humana explícita - outro pormenor inédito nos Dice - em convergência para um final hipnótico.

É isso: Creature Comforts é o anti-New Age - música sem origem definida, desafiante, física, bálsamo para headphones, cápsula nutritiva e não xaroposa de beleza naturalista.
Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
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