DISCOS
Bardo Pond
Amanita
· 03 Out 2004 · 08:00 ·
Bardo Pond
Amanita
1996
Matador


Sítios oficiais:
- Bardo Pond
- Matador
Bardo Pond
Amanita
1996
Matador


Sítios oficiais:
- Bardo Pond
- Matador
Tão anciã quanto a arte de seduzir ou negociar, é a arte de educar o ouvido. Ou alguém acredita que o Neandertal da gruta vizinha reagiu bem aos primeiros batuques e grunhidos de um qualquer longínquo antepassado de Billy Corgan que tocava sem que mais ninguém pudesse intervir? Haverá alguém que, recentemente, tenha absorvido Medullaà primeira audição? Tal como me custa a crer que viva alma se tenha rendido prontamente a este fenómeno paranormal que dá pelo nome de Amanita (o disco perfeito para oferecer a uma Anita por quem se está apaixonado).

"Quiet is the New Loud" foi o slogan criado pelo NME para categorizar a nova vaga de bandas acústicas liderada pelos Kings of Convenience. Sendo assim, a pergunta que se coloca é a seguinte: será que o "loud is the new quiet"? A julgar pela música cerebral e postura quase hippie dos Bardo Pond, tudo leva a crer que sim. O serviço prestado é baseado na avalanche de ruído destilado, mas prende-se fundamentalmente ao mitigar do plano sensorial. Os nomes que lhe estampam como um preço sempre remetem para o space rock ou nova-psicadélica. Amanita é único ao ponto de merecer uma designação própria. "Stoner espiritual" é a minha sugestão. Música capaz de revitalizar o xamanismo e criar adição. Tal como algumas drogas, redobra a intensidade das sensações de quem o escuta. Num plano específico, "Tantric Porno" contém o orgasmo do baixo que vai penetrando repetidamente até culminar no riff.

Qualquer música que dure menos de três minutos soa a interlúdio à escala Bardo Pond. Na verdade, só as que se prolongam além dos sete não deixam a desejar. A noção de timing é essencial para o resultar das composições. As guitarras dos irmãos Gibbons funcionam como os dois ponteiros sincronizados de acordo com o fuso horário de pólos opostos, a secção rítmica ocupa-se dos acertos e lubrifica o engenho, e, finalmente, a voz embriagada de Isobel Sollenberger trespassa transversalmente tudo isto. Sob manto de cores a que não conhecemos os nomes (muito menos eu que sou daltónico), "Yellow Turban" demonstra o uso da técnica Feng Shui filtrada pela banda de Filadélfia.

Baralhar a ordem das faixas é proibitivo no caso de Bardo Pond. Amanita, tal como tantos outros pontos da discografia, comporta um conceito que deve ser assimilado respeitando a continuidade e, de preferência, com total concentração. Ao contrário do que se possa pensar, esta trip sónica não surtirá os mesmos efeitos se combinada em simultâneo com outras actividades intelectuais. A ter de ser conjugada com uma segunda componente, receita-se o uso de drogas leves ou alucinogénicos naturais como os telediscos de Tool ou os mais surreais episódios dos Teletubbies. O rosto do bebé feliz enclausurado no sol sintético ganha novos sentidos à mercê do psicadelismo. O "b, a - ba" passa a ser "x, z - xxx". O "1+1=2" converte-se em "2+2=1". Abrem-se as portas da percepção de par em par, sem sinal de peyote por perto. Numa era em que todos procuram soluções em bizarros métodos new age ou em consultas com o Professor Alexandrino, custa a crer (além de soar a franco idealismo) que seja possível encontrar terapia num disco como Amanita. Tal como acontecia com os míticos discos dos Led Zeppelin, também por aqui despontam inúmeros sistemas de evasão. O portal para o escape sensorial. Nem sempre o descomprimir de tensão acumulada tem de passar por uma dança nos Jardins da Gulbenkian. Tal pode ser efectuado sem que se mova um músculo. Seja qual a for a quantia investida, Amanita é sempre uma barganha. Os 2,5€ que custou foram os mais bem gastos da minha vida.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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