As palavras são como magia. Plantam uma ideia na cabeça das pessoas, reorganizam-lhes os pensamentos, fazem-nas cometer actos tresloucados, ingénuos ou altruístas. Experimentem pronunciar uma palavra repetidas vezes, durante largos minutos, insistindo neste processo até cansar. A palavra aloja-se no cérebro, e quando dão por ela existe apenas a palavra. A palavra é o tecido das coisas. Das relações, da história. Não é preciso muito para chegar a esta conclusão; até a Bíblia nos explica que a palavra é Deus.

Mas também há aqueles seres que não precisam da palavra para fazer magia, para contar histórias, para impor as suas ideias e reformular os pensamentos alheios. Seres como os Bruma, quarteto bracarense que rejeitou a palavra e criou mundos e fundos através apenas do som, que veio antes da palavra. As Histórias Que Nos Contam não precisam de versos. Basta que existam suspensas no ar, potenciadas pelo piano ou pelo baixo ou pela bateria ou pela guitarra.

Mentimos: há palavra em Bruma, mas é convidada, quase como se a banda tivesse feito um jeitinho ao verbo, o tivesse deixado entrar e fazer parte do seu modo de fazer literatura. Aleatoriedade no meio da certeza, que nada existe sem aleatoriedade. Acontece em "Soldado Com Chumbo", tema que conta com a colaboração de Fernando Fernandes e que - só para ir de encontro à premissa expressa nestes parágrafos - até é a mais fraca das canções que compõem o disco de estreia dos bracarenses.

Fora isso resta-nos a música, o som organizado em histórias, jazz noir com nervo punk, o fumo dos cigarros percorrendo a noite repleta de crimes de faca e alguidar, enquanto alguém entretém a clientela com o seu vasto conhecimento de blues. Ou então a própria cidade de Braga, desabando sobre si mesma e sobre a sua história cultural, sangue caindo violentamente no cinzento das lajes. Há muitas imagens e ideias vivas que se retiram destas Histórias Que Nos Contam; não há é muitas palavras que as possam descrever. "Incrível" ou "essencial" parecem demasiado brandas.