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Saint Etienne
Home Counties
· 29 Mai 2017 · 08:38 ·
Saint Etienne
Home Counties
2017
Heavenly


Sítios oficiais:
- Saint Etienne
- Heavenly
Saint Etienne
Home Counties
2017
Heavenly


Sítios oficiais:
- Saint Etienne
- Heavenly
Uma carta de amor do mais antigo aliado.
Já não estamos apaixonados por Londres. A cidade que outrora era a capital do cool no mundo perdeu terreno para nacionalismos bacocos, conservadorismos de uma futilidade assinalável e pedreiros de fato e gravata dispostos a erguer um muro em cada esquina. Quem diz Londres diz Grã-Bretanha, não sendo a culpa nem de um, nem de outro, mas de quem as governa. A Inglaterra já não é o império de outrora e, com os acontecimentos recentes, toda a sua magia foi substituída por um sabor amargo de boca, por uma desilusão que só aparece quando se ama demasiado algo, qualquer algo.

Os Saint Etienne, banda que ao longo dos últimos 25 e mais anos se têm dedicado a dar cor à música pop, mesmo que em registo mais alternativo, saberão disso melhor do que ninguém. A sua sonoridade tem sido, desde sempre, especificamente inglesa - bebendo de diversas fontes, é certo, espelhando também o multiculturalismo que faz do país uma potência, mas sobretudo inglesa. Todos os estereótipos associados à Velha Albion (o humor, o stiff upper lip, o chá e scones sob céu nublado) transformados em canções como "London Belongs To Me" (Foxbase Alpha, 1991), "Like A Motorway" (Tiger Bay, 1994) ou "Milk Bottle Symphony" (Tales From Turnpike House, 2005).

Em Home Counties, o trio desdobra-se numa aventura conceptual que é, também, uma carta de amor-ódio em relação aos condados que rodeiam a cidade de Londres. Transpondo isto para a realidade portuguesa, seria um pouco como escrever um álbum sobre os subúrbios que rodeiam Lisboa, tanto a norte como a sul, sendo o "subúrbio" mote para os ímpetos criativos daqueles que lá moram: se não há nada, cria-se alguma coisa; se o "subúrbio" é o hotel da grande cidade; reclamam-se os quartos; se o "subúrbio" não tem rosto, pintemos um nas paredes e vãos de escadas de estações ferroviárias...

A aventura, e a carta, parecem ter o objectivo de devolver a fé em Londres e na Albion aos estrangeiros que por elas se apaixonaram platonicamente, bêbados com a magia que dali provinha. Talvez não resulte: o desapontamento foi muito grande. Mas ajuda. Um sintetizador em "Whyteleafe" faz a ponte entre o passado dos cavaleiros e espadas presas no rochedo até à indie pop de hoje, de nomes na Sarah e na Heavenly que sabiam cantar o sol mesmo que só o vissem um par de vezes por ano. Tal como "London Belongs To Me", "Like A Motorway" ou "Milk Bottle Symphony" é estupidamente britânica - e faz crescer, nem que seja de forma mínima, a esperança.

Uma esperança que é transformada em nonchalance no house latino - com toques da pop dos anos 60 - de "Dive", de longe a melhor faixa do disco ou, pelo menos, a mais divertida e dançável. Sendo que, no caso dos Saint Etienne, os seus momentos mais dançáveis não são menos - nunca o foram menos - que divertidos. Em "Underneath The Apple Tree", regressam ao som "clássico" do qual sempre foram fanáticos, antes de fecharem em grande com "Sweet Arcadia": sete minutos e quarenta e três segundos de poema, o subúrbio enquanto nação própria, utopia por confirmar. É um disco tremendo, mais um dos Saint Etienne. Se é motivo para voltarmos a abraçar o nosso mais antigo aliado, talvez não. Mas ao menos já estamos a conversar outra vez.
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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