DISCOS
Skalpel
Skalpel
· 30 Mai 2004 · 08:00 ·
Skalpel
Skalpel
2004
Ninja Tune


Sítios oficiais:
- Skalpel
- Ninja Tune
Skalpel
Skalpel
2004
Ninja Tune


Sítios oficiais:
- Skalpel
- Ninja Tune
Todos conhecemos aquele truque básico de ilusionismo em que alguém nos mostra uma carta, coloca-a entre outras duas, para depois baralhá-las até que percamos de vista a carta previamente seleccionada. Baralhar e voltar a dar. Pois é essa a arte e estética de grande parte dos projectos pertencentes à saudosa Ninja Tune, casa de projectos como os Cinematic Orchestra ou estes Skalpel (a principal diferença entre os dois colectivos é o facto de os primeiros contarem com instrumentistas). Após alguns anos de remixes que percorriam um circuito reduzido e bibliotecária documentação do jazz polaco (arquivado, aos poucos, em forma de samples), consta que DJ Vadim (o maior orgulho da Rússia e também ele subsidiário da Ninja Tune) os veio a descobrir durante uma digressão. Se o bom gosto de DJ Vadim está cimentado na série "U.R.S.S.", reconheça-se-lhe neste caso o faro para jovens promessas.

São algumas as vozes da crítica que questionam o mérito dos Skalpel e de outros projectos que optam pela manipulação de sons à gravação de instrumentos físicos. Remeto os cépticos para as palavras que os Vicious Five usam no livrete do seu bombástico primeiro EP: "Copyright is the right to copy. So go on, steal. Copy. Paste. Create." Será mais legítimo assumir a paixão através da mímica mais ou menos adulterada de quem admiramos ou contornar o plágio com o acrescento de subtis variantes que quase sempre conduzem à condição de substrato? Prefiro o "listener's digest" dos Skalpel às embaraçosas covers de Lenny Kravitz e Hole em anúncios a refrigerantes. Escutem "Sculpture" com a devida atenção, e levante a mão aquele que não tenha ficado rendido ao fluir da precursão que vai desaguar no celestial final do disco. De pouco importa a fonte, se a água sacia a sede. O prato do dia é o jazz polaco, acompanhado pela vibração cool sorvida às "Big bands" (note-se o ecletismo e variedade de instrumentos em "1958" apenas) e à secção rítmica capaz de invocar décadas distantes. Também cá mora a componente cinemática (a cada um cabe escolher o cenário e personagens para o seu filme de espionagem polaco) e dose certa de sensualidade (posso jurar que vislumbro a silhueta de uma voluptuosa louraça ao escutar "Break In"). De resto, a homenagem ao imaginário cinematográfico está bem patente no teledisco "Sculpture", onde o seminal Nosferatu de Murnau é transmitido num televisor num ambiente a cheirar a naftalina. Skalpel suplica por um passeio nocturno ao volante de um Dodger (ou Fiat Uno, conforme as limitações). Combinar cada faixa do disco com cada uma das paragens entre Cais do Sodré e Cascais. Há groove suficiente para contagiar todos os noctívagos, que prontamente cedem ao embalar do contra-baixo. O que era suposto ser apenas um disco, torna-se um interlúdio ambicioso; maçador ou surpreendentemente relaxante, conforme a disposição. Tal dependência é mesmo o calcanhar de Aquiles do disco.

Nestes dias em que a banda-larga permite aos "soulseekers" o acesso a um disco num clicar e fechar de olhos, os Skalpel, enquanto agentes de uma contra-cultura DJ, remetem os melómanos para o delicioso dedilhar de discos usados e jazz polaco por descobrir entre a obscuridade. "A música está nas lojas e não nas comunidades de partilha" é a mensagem subliminar, sussurrada pelos samples elaborados a partir da colheita musical vintage. Boa caçada.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
RELACIONADO / Skalpel