DISCOS
Hayden Powell
Circadian Rhythm & Blues
· 18 Abr 2016 · 11:42 ·
Hayden Powell
Circadian Rhythm & Blues
2015
Periskop


Sítios oficiais:
- Hayden Powell
- Periskop
Hayden Powell
Circadian Rhythm & Blues
2015
Periskop


Sítios oficiais:
- Hayden Powell
- Periskop
Corpo de blues.
Depois de “Roots and Stems” (lançado em 2013 e com direito a análise aqui no Bodyspace), o trompetista Hayden Powell volta aos discos como um nome estabelecido da cena jazzística da Noruega e dos países frios da Europa. Powell, inglês radicado em Oslo, junta-se de novo ao pianista Eyolf Dale e ao baixista Jo Skaansar para “Circadian Rhythm & Blues”, terceiro longa duração. Ou melhor, para metade dele. O primeiro disco é interpretado pelo trio, o segundo um desejo antigo do trompetista britânico: um álbum a solo. A inspiração por detrás dos dois discos é o ritmo circadiano, ou seja, o relógio interno do corpo, o que engloba os ciclos de sono e de metabolismo, responsáveis pela dualidade luz/escuridão e mudanças de temperatura próprias do avançar de um dia de 24 horas.

É essa dualidade que Powell encontra na música e que sobrepõe nas oito faixas do trio e onze faixas a solo, numa mistura entre o trabalho dos músicos, a experiência pessoal de quem ouve e a própria envolvência, de uns e de outros. O trio guia-nos, então, por 24 horas de um dia com a sua música. A primeira faixa, “Reveille”, deixa logo antever o que se pode encontrar no disco. É uma faixa luminosa de pleno alcance. Não é difícil imaginar um bom dia, com direito a passeio no parque, café numa esplanada e caminhada pela praia, com alguém de quem se gosta, ao ouvir a faixa que abre o duplo disco. Há até tempo para um pezinho de dança aqui, com os três músicos preenchidos de liberdade rítmica sem perturbar a harmonia da faixa.

Há muito de percussão no sopro de Hayden Powell, e essa textura sonora única dá uma camada extra à sonoridade do trio (já falaremos do solo do trompetista), que tem em “Truffles” a faixa mais consistente do álbum, mistura ideal entre os riscos calculados e a harmonia, numa música a evocar lanches solarengos, bom vinho e boa companhia. E trufas, mas isso talvez já seja por sugestão do título. Há neste trabalho a seis mãos espaço para melancolia, também, entre outras ambiências sonoras menos bem dispostas. Mas o lado solar é o que mais prevalece, num disco que se quer “extrovertido”, diz o trompetista que também produz o trabalho final. “Late Night Politics” encerra o primeiro disco com essa melancolia e esse toque de lado lunar que começa a instalar-se e que continuará no trabalho a solo de Hayden Powell. Mas já lá vamos.

O resultado, pouco mais de 38 minutos volvidos, é a prova de que o trio, Powell, Skaansar e Dale, sabe encontrar o seu equilíbrio na perfeição, e equilíbrio significa harmonia e saber estar fora dela no momento certo, um acerto coletivo que já tinha brilhado em “Roots and Stems” e que é agora utilizado na sua plena força, para mais do que a junção de três instrumentos ser um som unido, encorpado, de mérito próprio. Depois de um primeiro disco de trio, espaço para Hayden Powell brilhar sozinho, no trompete e no que chama de firebird, com toques de música eletrónica e ambiente a acompanhar o jazz intimista do músico.

Há neste segundo disco muito mais de experimentalismo, uma liberdade que permite a Hayden Powell impor-se e impor, também, um toque muito pessoal no álbum (algumas faixas em “Roots and Stems” já o adivinhavam). “Cat in a Box” destaca-se entre as onze faixas do segundo disco com uma sonoridade sombria que se ajusta perfeitamente ao sopro de Powell. “Pepper-Upper” lembra uma corrida matinal, com sprints e períodos de para-arranca, para o trabalho, a azáfama do dia-a-dia numa cidade grande (como Oslo), enquanto “Sleepless” nos remete, como o título indica, para uma noite de insónias e alucinações próprias da avançada hora da madrugada. “Crosswind” podia ser a banda sonora (quase) natural de uma corrida antes do trabalho ou ao final do dia.

No geral, Hayden Powell continua, acompanhado e a solo, no trilho de uma sólida carreira no jazz norueguês, mas o país onde se fez músico é cada vez mais pequeno para o trabalho e o talento que vai demonstrando. "Circadian Rhythm & Blues" pode bem ser o cartão de visita que abre definitivamente as portas da Europa, depois de "Roots and Stems" o ter trazido, entre outros países, a Portugal (Casa da Música). Será pedir muito um regresso?
Simão Freitas
spfreitas25@gmail.com
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