DISCOS
Pop. 1280
Paradise
· 21 Mar 2016 · 10:55 ·
Pop. 1280
Paradise
2016
Sacred Bones Records


Sítios oficiais:
- Pop. 1280
- Sacred Bones Records
Pop. 1280
Paradise
2016
Sacred Bones Records


Sítios oficiais:
- Pop. 1280
- Sacred Bones Records
Cyberpunk generation.
O progresso tecnológico acarretou consigo a dependência. Já mal nos conseguimos ver sem telemóvel, sem Internet, sem Facebook, sem a dose diária de informação que todos os dias espetamos na veia. E, com essa dependência, como com todas as dependências, vem a miséria: uma multidão amorfa, cansada, cujas promessas de mudança e melhoria vindas dessa mesma tecnologia esbarraram no medo, um dos poucos sentimentos que nos mantém ligados ao nosso lado animal. Este Mundo Novo era inevitável - mas não precisava de ser Admirável.

Ou talvez não tenhamos conseguido utilizar essa tecnologia em nosso favor; talvez continuemos a ser, milhares de anos depois, um bando de macacos pendendo da árvore. Só assim se explica que, apesar de todo o conhecimento estar à distância de um clique, apesar dos nossos níveis de educação e de desenvolvimento serem hoje bastante superiores aos de há cem anos, continuem a pulular por toda a parte teorias da conspiração que oscilam entre o louco (Sandy Hook), o paranóico (chemtrails) e o ignorante (vacinação). Só assim se explicam fenómenos como Donald Trump. Só assim se explica o regresso do nacionalismo arraçado de fascismo na Hungria, na Polónia, em França. Os macaquinhos têm medo, e o medo é o maior inimigo da tecnologia.

Perante este cenário distópico em que vivemos e do qual poucas hipóteses existem, para já, de dele sairmos num tempo próximo (excluindo todo e qualquer cenário de suicídio), os Pop. 1280 decidiram unir-se e compor a sua banda-sonora - visto que, se não há salvação para o mundo, então morramos a dançá-lo. Cristo descerá novamente à terra montado numa enorme bola de espelhos e erguerá o braço como numa rave... Sendo que essa, aqui, é feita com ritmos industriais, guitarras lancinantes e o poder demoníaco de um sintetizador que uiva em tons de néon.

Assim é , o terceiro álbum da banda nova-iorquina, sendo que o título, exemplo de uma ironia pós-moderna tão em voga, mais não faz que conferir o grau necessário de sarcasmo a uma sonoridade que bebe da decadência urbana e vomita a violência como quem sorri do lado de lá da barricada, cocktail molotov na mão e ténis de marca novinhos em folha. Enquanto o mundo se tem ocupado com selfies, os Pop. 1280 têm trazido a verdade - na sociedade de informação paradisíaca (ou parasita?), a morte não existe; o que existe, é um anúncio pisando a face humana, para todo o sempre. A sua música é a do underground real, não o underground que passa de boca em boca, mas aquele invisível e aberto apenas aos eleitos.

Faz sentido que se auto-proclamem, e sejam vistos como, uma banda cyberpunk. Não há, na atmosfera dos Pop. 1280, uma única partícula de ar respirável; o som prende-nos o corpo por todos os lados, reduz-nos à insignificância. Pura distopia tecnológica. Já assim era em The Horror, o encarnar da psicopatia (especialmente em "Bodies In The Dunes"); continuou a sê-lo no menos conseguido Imps Of Perversion. Paradise é, de certa forma, o seu magnum opus, o álbum em que não só o ruído a que se têm dedicado como a temática a ele subjacente foram elaborados, e apresentados, da melhor maneira.

"Pyramids On Mars", a faixa de abertura, pode soar estranhamente familiar - Nick Cave à cabeça, claro, especialmente nos seus Birthday Party - mas não passa de um engodo; se aqui existe uma reminiscência do passado é porque esta, à boa maneira cyberpunk, foi descarregada directamente nos cérebros dos Pop. 1280 e, por arrasto, dos seus ouvintes, como no Matrix se aprendia kung fu por download. É uma ilusão, um mero sonho estupidamente humano. Os Pop. 1280 são a máquina, a mecânica, o andróide que sonha não com ovelhas eléctricas mas em infravermelhos, como "In Silico", o melhor tema aqui presente (sete minutos de porrada e balanço elástico), tão bem explica.

Paradise é o disco que faltava a um mundo em colapso, o retrato de um caos que se atravessa diariamente à nossa frente; o colapso da civilização ocidental explicado em 39 minutos de agonia. Se a work song que é "Rain Song" devolve o rótulo "escravo" a cada indivíduo sujeito às manipulações do capital, "Kingdom Come" termina em modo arrepiante e em crescendo, num manifesto quase thrash de impotência perante aquilo que nos rodeia. Mais cyberpunks que as experiências pseudo-góticas de gente como os Skinny Puppy, mais sujos e maltrapilhos que os Birthday Party, os Pop. 1280 - por entre a xaropada surf e psicadélica que tem povoado muito do rock independente - soam cada vez mais essenciais. Até porque são os únicos com colhões para gritar que este planeta é uma merda.
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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