DISCOS
Kanye West
The Life of Pablo
· 26 Fev 2016 · 11:21 ·
Kanye West
The Life of Pablo
2016
Def Jam Records / Tidal


Sítios oficiais:
- Kanye West
- Def Jam Records
- Tidal
Kanye West
The Life of Pablo
2016
Def Jam Records / Tidal


Sítios oficiais:
- Kanye West
- Def Jam Records
- Tidal
Kanye VS Deus. Outra vez.
“This album is actually a gospel album”, escrevia Kanye West no Twitter no final de Janeiro, a poucos dias da edição oficial de The Life of Pablo. Bom, na verdade, depois de apresentado no Madison Square Garden numa actuação transmitida em directo em centenas de cinemas por esse mundo fora, o disco não teve uma edição oficial. Três dias após a estreia no complexo de Nova Iorque, o sétimo álbum de estúdio do rapper e produtor americano foi disponibilizado exclusivamente através do Tidal, um serviço pago de streaming de música. Mais tarde, Kanye viria a dizer que o disco nunca sairia de outra forma, levando o concorrente do Spotify ao primeiro lugar da loja virtual da Apple (bela operação de marketing, wink wink!).

No entanto, na disenteria de tweets que precedeu e se seguiu ao lançamento do sucessor de Yeezus (2013), Kanye West já disse muita coisa e o seu contrário. The Life of Pablo já esteve para se chamar So Help Me God, Swish e Waves e, quando se fixou o título final, muito se especulou se o Pablo seria o Picasso ou o Escobar. Afinal, parece que é o apóstolo Paulo, Pablo em espanhol. Enfim, será porventura uma mistura dos três. Mas, voltando ao tweet sobre a vocação gospel deste álbum, é muito fácil validar esse curto anúncio em sete palavras. “Ultralight Beam”, a faixa de abertura, contém referências bíblicas, coros de igreja, cânticos e orações pentecostais e ainda uma alocução do Pastor Kirk Franklin, além dos contributos valiosos de Chance The Rapper e The-Dream.

Não é a primeira vez que Kanye se olha no espelho e vê Deus. Não é a primeira vez que Kanye se digladia com a imagem que vê reflectida. Não será seguramente a última vez que por aqui se escreve que o universo é demasiado pequeno para a coexistência das duas divindades. Kanye West olha-se permanentemente ao espelho e se, por vezes, versa com satírico engenho sobre o seu ego industrial (como em “I Love Kanye”), noutras não faz senão oferecer-nos mais uma entrada no seu masturbatório: é o caso de “Highlights”, em que, ao lado de Young Thug, contabiliza os Grammys que já arrebanhou e promete novas conquistas futuras. Tem graça porque é Kanye. Faz sorrir porque é marca registada do já extenso mas ainda florescente património verborreico deste douchebag encantador. Adiante.

“I feel like me and Taylor might still have sex/ Why? I made that bitch famous (goddamn!)” são talvez os versos mais infames e potencialmente misóginos de The Life of Pablo. Kanye debita-os em “Famous”, um tema que abre com Rihanna e que sampla Nina Simone, como já noutros álbuns o fez. Os versos reportam-se ao incidente nos MTV Video Music Awards de 2009, quando Kanye sobe ao palco e interrompe o discurso de vitória de Taylor Swift. É mentira que ele a tornou famosa, ela já o era mas enfim... É errado achar piada àqueles versos? Talvez. Mas têm efectivamente piada. A despropósito, o que pensaria Nina Simone de ser samplada no meio deste deboche?

O disco tem outros grandes momentos. Por exemplo, “Wolves” (‘tá tudo, Frank Ocean?), onde se debate o que seria se Maria estivesse num estabelecimento de diversão nocturna quando conheceu José, o pai terreno de Jesus. Ou “No More Parties in L.A.” (como é que é, Kendrick Lamar?), uma brilhante canção cujo beat fundador sobrou das sessões do colossal My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), cortesia do produtor Madlib. Mas também tem momentos descartáveis, como os muitos intervalos de descompressão que não passam de verbos de encher. Bom, mesmo aí, uns são mais bem conseguidos do que outros: “Freestyle 4” safa-se pelo sample de cordas de Goldfrapp mas a conversa telefónica de “Siiiiiiiiilver Surffffeeeeer Intermission” é só tonta. Estes pontos mortos, que, apesar de tudo, não chegam a fazer sombra aos momentos de glória, tornam o álbum mais quebradiço e menos tesudo do que discos anteriores.

Kanye West volta a fazer das suas vísceras uma instalação artística em forma de disco. Kanye volta a reunir a primeira divisão do hip-hop actual – além dos já citados, André 3000, Chris Brown, The Weeknd e Ty Dolla $ign também picam o ponto. Mas é provável que Kanye ande mais desorientado do que nunca. Consta que, depois de ver o marido num descontrolado jorro de tweets, com detalhes sobre a situação financeira do casal, Kim Kardashian quer que ele faça terapia. É capaz de não ser má ideia.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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