DISCOS
Aires
Fantasmas
· 23 Dez 2015 · 21:31 ·
Aires
Fantasmas
2015
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Aires
Aires
Fantasmas
2015
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Aires
Paralisia do sono.
É um sonho recorrente: uma figura indecifrável, talvez o sonhador, talvez uma representação mental, passeia-se junto a um mar enorme e azul, até que de repente, sem que algo o fizesse prever, uma onda gigantesca desaba sobre si, prendendo-o com uma força brutalíssima; o medo de se afogar impele-o a racionalizar a coisa. «Estou num sonho. Se fechar os olhos, acordarei». Na maior parte das vezes resulta, e o sonhador desperta, suando em bica, feliz por continuar vivo.

Mas há ocasiões em que esse acordar não se processa imediatamente, e o sonhador dá por si de olhos bem abertos, apercebendo-se de que se encontra deitado na cama, no quarto onde adormeceu, mas sem se conseguir mexer ou sequer falar. Há um espectro que, tal como a onda, o amarra. Quase que consegue vê-lo: uma sombra indistinta navegando pelas paredes, murmurando-lhe ao ouvido uma linguagem que não é a sua. Paralisia do sono, chama-lhe a comunidade médica. Mas no fundo mais não é do que medo.

O escultor sonoro mais conhecido como Aires conhece bem esse medo. Foi dele que se alimentou no seu trabalho a solo anterior, um EP homónimo ao qual chamámos, na crítica ao mesmo, música pânico-ambiente - um termo que o próprio repescou num manifesto noise editado a meias, este ano, com Rui P. Andrade. Sem tanto ruído mas com o mesmo receio chega agora Fantasmas, composto por três temas numerados onde o espectro, como na paralisia, nos murmura.

Fantasmas soa a uma gravação desse momento em que não distinguimos o que é o sonho e a realidade, com um eco de almas penadas gemendo baixinho por entre o drone. O medo é o de não saber o que irá acontecer a seguir a ele. Talvez fiquemos para sempre paralisados nesse limbo, fechando os olhos com toda a força, procurando o acordar. Ou talvez sejamos novamente apanhados pela onda, que vem salgada no segundo tema através de um ambient hipnagógico, e morre na costa em toada negra e calma no terceiro, completa pelo ruído de bandeiras desfraldadas ao vento. Seja como for, tenham medo. Tenham muito medo.
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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