DISCOS
Max Richter
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One)
· 12 Out 2015 · 11:30 ·
Max Richter
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One)
2015
Silva Screen
Sítios oficiais:
- Max Richter
- Silva Screen
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One)
2015
Silva Screen
Sítios oficiais:
- Max Richter
- Silva Screen
Max Richter
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One)
2015
Silva Screen
Sítios oficiais:
- Max Richter
- Silva Screen
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One)
2015
Silva Screen
Sítios oficiais:
- Max Richter
- Silva Screen
Uma música que proporciona brilho a uma série invulgarmente brilhante.
Apesar de invulgar nestas páginas, há nelas óbvio espaço para falar de bandas-sonoras. Para mais quando Max Richter as conduz. E o alemão não é um desconhecido nestas paragens. O seu trabalho tem sido acompanhado no Bodyspace com grande atenção, e admiração. O seu toque, a sua sensibilidade, a sua harmonia, capaz de provocar sentimentos ardorosos com sobriedade, em doce melancolia, fazem do homem, enquanto compositor “clássico”, um espécime de rara dedução emotiva moderna.
Honestamente, não sei se este texto tem o real propósito de falar de Max Richter ou da série da HBO The Leftovers, baseada no magnífico livro de Tom Perrotta – que se juntou a Damon Lindelof (co-criador de Lost) na adaptação televisiva. O mais natural, para que haja o mínimo sentido – e já que se fala de uma banda sonora –, é que procuremos o meio-termo, onde a imagem se funde com a música para potenciar uma narrativa.
The Leftovers é um mundo invulgar, não muito diferente daquele em que vivemos. A específica particularidade reside no facto de 2% da população ter desaparecido de um momento para o outro, e ninguém – entre cientistas, filósofos ou religiosos – ter a mais pequena ideia do que aconteceu. O mundo fragmenta-se lentamente: a sociedade passa a encarar o passado com medo e o futuro com incerteza. As palavras inscritas nos textos sagrados tornam-se de tal forma vagas – ou vazias – que levam as pessoas a afastarem-se em vez de procurarem reconforto nelas: a constante ideia – tanto no livro como na série – é que a “súbita partida” foi completamente aleatória; algo que contradiz a ideia estabelecida no arrebatamento bíblico: os crentes se elevarão aos céus enquanto a Tribulação se abaterá sobre os ímpios.
O drama nesta narrativa não está focado na explicação do evento, dos que desapareceram misteriosamente. A estória concentra-se nos que ficaram, nos que viram amigos e conhecidos, familiares, directos ou indirectos, a evaporarem-se. Tudo se foca num súbito vazio, real ou existencial, que transforma todos os comportamentos. A depressão passa ser um sentimento transversal; no caso da série – que eleva a questão a outro nível, pouco abordado no livro –, o niilismo – em especial entre os mais jovens – passa a ser uma constante: num mundo em que as coisas acontecem sem qualquer sentido, para quê mantermos um conjunto de regras que limitam como devemos viver o dia-a-dia; no hedonismo inconsequente encontra-se o escape?
Neste universo televisivo de contrastes pesados, onde o desaparecimento à escala global de um pequeno número de pessoas transtorna todas as almas (as pessoas sumiram, não morreram, mas é como se fosse), onde os valores tradicionais passam a ser ignorados (e o vazio ganha nova dimensão dramática), e todas as figuras estão ancoradas pela tristeza e desespero (elas tentam seguir em frente mas não conseguem), a música de Max Richter intervém com uma majestade que torna a experiência das personagens intensamente real para o espectador.
Há nesta banda sonora para a primeira temporada de The Leftovers reminiscências óbvias de trabalhos ancestrais: “November” e “Twins”, ambos de Memoryhouse (2002), ressurgem, não muito diferentes, mas recontextualizados. De alguma forma tem sido essa a direcção de Max no que toca a elaborar bandas sonoras (ele também foi responsável pelas OST de filmes como Perfect Sense ou Wadjda). Max não é propriamente original nesta área. Tem, contudo, uma curiosa capacidade de reciclar as suas velhas melodias, derramá-las com descrição nas imagens e provocar uma reacção em quem as vê.
Nem tudo é reciclagem neste disco. Há trechos originais, criados para cenas especificas – aqui e ali vêm à memória as ideias que potenciaram um dos mais interessantes (provocadores) trabalhos de Max Richter, Infra (2010).
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One) é uma genuína reunião dos melhores momentos da série gerida por Damon Lindelof. Não será a mais extraordinária obra de Max Richter. Mas para que faça completo sentido, ver a série (que agora começa a sua segunda temporada, com Max a introduzir novas melodias) é o ideal. Max Richter enriqueceu a narrativa de uma estória que começou em livro e que acabou em imagens de grande significância no que toca ao entendimento da condição humana num mundo de incertezas cósmicas e filosóficas. A sua composição aqui, directamente apontada ao coração (com instantes capazes de eriçar a pele duma pedra da calçada) contribui com verdade para a personalidade duma série, que é das mais intrigantes que por aí andam nestes dias.
(Falar de Sleep ficará para outra oportunidade: oito horas de música apontada aos nossos sonhos originam complexas reflexões).
Rafael SantosHonestamente, não sei se este texto tem o real propósito de falar de Max Richter ou da série da HBO The Leftovers, baseada no magnífico livro de Tom Perrotta – que se juntou a Damon Lindelof (co-criador de Lost) na adaptação televisiva. O mais natural, para que haja o mínimo sentido – e já que se fala de uma banda sonora –, é que procuremos o meio-termo, onde a imagem se funde com a música para potenciar uma narrativa.
The Leftovers é um mundo invulgar, não muito diferente daquele em que vivemos. A específica particularidade reside no facto de 2% da população ter desaparecido de um momento para o outro, e ninguém – entre cientistas, filósofos ou religiosos – ter a mais pequena ideia do que aconteceu. O mundo fragmenta-se lentamente: a sociedade passa a encarar o passado com medo e o futuro com incerteza. As palavras inscritas nos textos sagrados tornam-se de tal forma vagas – ou vazias – que levam as pessoas a afastarem-se em vez de procurarem reconforto nelas: a constante ideia – tanto no livro como na série – é que a “súbita partida” foi completamente aleatória; algo que contradiz a ideia estabelecida no arrebatamento bíblico: os crentes se elevarão aos céus enquanto a Tribulação se abaterá sobre os ímpios.
O drama nesta narrativa não está focado na explicação do evento, dos que desapareceram misteriosamente. A estória concentra-se nos que ficaram, nos que viram amigos e conhecidos, familiares, directos ou indirectos, a evaporarem-se. Tudo se foca num súbito vazio, real ou existencial, que transforma todos os comportamentos. A depressão passa ser um sentimento transversal; no caso da série – que eleva a questão a outro nível, pouco abordado no livro –, o niilismo – em especial entre os mais jovens – passa a ser uma constante: num mundo em que as coisas acontecem sem qualquer sentido, para quê mantermos um conjunto de regras que limitam como devemos viver o dia-a-dia; no hedonismo inconsequente encontra-se o escape?
Neste universo televisivo de contrastes pesados, onde o desaparecimento à escala global de um pequeno número de pessoas transtorna todas as almas (as pessoas sumiram, não morreram, mas é como se fosse), onde os valores tradicionais passam a ser ignorados (e o vazio ganha nova dimensão dramática), e todas as figuras estão ancoradas pela tristeza e desespero (elas tentam seguir em frente mas não conseguem), a música de Max Richter intervém com uma majestade que torna a experiência das personagens intensamente real para o espectador.
Há nesta banda sonora para a primeira temporada de The Leftovers reminiscências óbvias de trabalhos ancestrais: “November” e “Twins”, ambos de Memoryhouse (2002), ressurgem, não muito diferentes, mas recontextualizados. De alguma forma tem sido essa a direcção de Max no que toca a elaborar bandas sonoras (ele também foi responsável pelas OST de filmes como Perfect Sense ou Wadjda). Max não é propriamente original nesta área. Tem, contudo, uma curiosa capacidade de reciclar as suas velhas melodias, derramá-las com descrição nas imagens e provocar uma reacção em quem as vê.
Nem tudo é reciclagem neste disco. Há trechos originais, criados para cenas especificas – aqui e ali vêm à memória as ideias que potenciaram um dos mais interessantes (provocadores) trabalhos de Max Richter, Infra (2010).
The Leftovers (Music From The HBO Series - Season One) é uma genuína reunião dos melhores momentos da série gerida por Damon Lindelof. Não será a mais extraordinária obra de Max Richter. Mas para que faça completo sentido, ver a série (que agora começa a sua segunda temporada, com Max a introduzir novas melodias) é o ideal. Max Richter enriqueceu a narrativa de uma estória que começou em livro e que acabou em imagens de grande significância no que toca ao entendimento da condição humana num mundo de incertezas cósmicas e filosóficas. A sua composição aqui, directamente apontada ao coração (com instantes capazes de eriçar a pele duma pedra da calçada) contribui com verdade para a personalidade duma série, que é das mais intrigantes que por aí andam nestes dias.
(Falar de Sleep ficará para outra oportunidade: oito horas de música apontada aos nossos sonhos originam complexas reflexões).
r_b_santos_world@hotmail.com
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