DISCOS
Neil Young
Harvest Moon
· 12 Fev 2004 · 08:00 ·
Neil Young
Harvest Moon
1992
Warner


Sítios oficiais:
- Neil Young
- Warner
Neil Young
Harvest Moon
1992
Warner


Sítios oficiais:
- Neil Young
- Warner
Vinte anos após o lançamento de Harvest, aquela que muitos dizem ser a obra maior de Neil Young, o cantor nascido em Toronto apresenta um disco que tem tanto de confessional como de hipnotizador. De guitarra eléctrica pousada, contando de novo com Jack Nitzsche no que diz respeito aos arranjos, Neil Young esquece a atitude rocker e acolhe de braços abertos o formato acústico. Harvest Moon é uma manta de retalhos, um disco que fala de coisas simples: da separação da sua mulher, da morte do seu cão, da luta pela preservação do ambiente (que se tornou, cada vez mais, a sua causa) e de amigos perdidos na imensidão do tempo. É, no fundo, o disco que todos gostariamos de escrever se tivéssemos a oportunidade para tal. E o tom confessional é tão evidente que se torna difícil não reconhecer em cada frase, em cada refrão, o sentimento de perda, de ausência, de arrependimento ou mesmo redenção.

O primeiro tema do disco, “Unknown Legend”, pertence irremediavelmente à noite, a um ambiente nocturno. Uma guitarra acústica em conjunto com uma steel guitar abrem caminho numa canção em que se conta a história de uma mulher de cabelos loiros, que percorre uma auto-estrada deserta na sua Harley-Davidson. No refrão, Linda Ronstadt e James Taylor - as vozes de fundo - assistem Neil Young na criação do cenário solitário. “From Hank to Hendrix” funciona como uma carta que Neil Young nunca chegou a entregar à sua mulher. Despida, sincera, como se fosse um pedido de desculpas em formato canção. De forma quase inconsciente, a tentativa de compensar aquilo que é irrecuperável, os tempos que já não voltam atrás. Para a harmónica que aparece em espaços, é soprada a sofreguidão, o pesar. “Harvest Moon”, a canção que oferece o nome ao disco, é atravessada por um riff familiar e por palavras simples: “Because I’m still in love with you, I want to see you dance again, because I’m still in love with you, On this harvest moon” ou a sugestão de uma noite de luar, vista por duas pessoas, num qualquer desfiladeiro abandonado do resto do mundo.
Todo o disco é de uma coerência e similaridade de processos (não confundir com monotonia) incríveis. A toada folk percorre todo o disco e quase consegue fazer esquecer que Neil Young é um rockeiro inveterado.

Enquanto que “War of Man” fala da falta de inteligência humana, “One of These Days” faz o apelo ao discernimento capaz de levar um homem a aproximar-se dos seus velhos amigos. “Such a Woman” recupera, ainda que de forma ténue, a luxuosidade e pomposidade de arranjos e composição de canções como “A Men Needs a Maid” ou “There’s a World”, incluídas em Harvest e que tiveram a participação da Orquestra Filarmónica de Londres. Curiosamente, “Old King” - que fala da morte do seu fiel amigo, o seu cão -, um pouco devido ao banjo e à percussão saltitante, é a canção que mais luz deixa entrar num disco de tom eminentemente melancólico. Sem cair em lamechices ou pieguices, Neil Young escreveu as canções deste registo como se fossem um desabafo a um amigo e ao mesmo tempo um tributo a todas as pessoas que tiveram, de uma maneira ou de outra, importância na sua vida. E são canções que transmitem um calor e uma segurança que só alguém com quase meio século de contacto com a realidade pode reunir.

Dizer que este é um disco sonhador, apesar de ser um lugar comum, é a maneira mais adequada de caracterizar Harvest Moon. Em relação a Harvest, e passadas duas décadas, talvez seja a calma da lua aquilo que fez a diferença. Cada canção é um pedaço da vida de Neil Young, e se juntarmos todos esses pedaços, apercebemo-nos que foi e continua a ser uma bonita existência.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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