DISCOS
Lewis
L'Amour / Romantic Times / Love Ain't No Mystery
· 20 Nov 2014 · 09:41 ·
Lewis
L'Amour / Romantic Times / Love Ain't No Mystery
Reeditados em 2014
Light In The Attic / Light In The Attic / Summersteps Records


Sítios oficiais:
- Light In The Attic
- Light In The Attic
- Summersteps Records
Lewis
L'Amour / Romantic Times / Love Ain't No Mystery
Reeditados em 2014
Light In The Attic / Light In The Attic / Summersteps Records


Sítios oficiais:
- Light In The Attic
- Light In The Attic
- Summersteps Records
O passado dentro do presente.
Elevaram Lewis à condição de artefacto arqueológico. Alimentaram o mistério através de reedições, de histórias de vida pouco claras, de informações que se diziam e contradiziam no mesmo instante. E, no final, fizeram com que este mesmo mistério se dissipasse no momento em que o encontraram, calmamente refastelado no seu Canadá, a tragar um café sob o sol que lhe iluminava o rosto. O mesmo rosto que parece perder suavemente a luz, na capa de L'Amour, o primeiro objecto discográfico que dele se conheceu, e que o deu a conhecer. Que fez Lewis? Ressuscitou o mistério, recusando direitos a royalties e a quaisquer outras ofertas que o permitiriam (palavra feia: se ele não faz questão de que aconteça, não existia exactamente uma falta de permissão) colocar-se perante os olhares do público. A Light In The Attic descobriu-o, mas nunca o irá identificar.

Não se sabem as razões pelas quais Lewis fez estes discos, sendo que para além destes três aqui especificamente mencionados existirão outros, sob designações diferentes, e temáticas igualmente distintas. O homem fez a sua arte e abandonou-a ao sabor do vento; para sorte nossa, alguém comprou L'Amour numa feira e a partir daí gerou o mito, a partir dessas dez canções estranhamente hauntológicas, canções onde o fantasma que é Lewis nos sussurra desde um tempo absurdamente distante, ou quiçá fragilmente distante - já que, com a Internet, nada está tão longe quanto parece, e basta aparecer um qualquer James Cook que se dedique a cartografar áreas perdidas para que o amor romântico que a humanidade tem pela exploração reapareça, de forma assombrosa. Adoramos um bom mistério. Mas também nos frustramos quando esse mesmo mistério não aparenta ter solução à vista.

Lewis, ou Randall Wulff, o seu verdadeiro nome, é uma semi-frustração, derivada de ser o maior quebra-cabeças musical desde Jandek, ou até mesmo desde Sixto Rodriguez, com a diferença de que Lewis nunca terá salvo uma nação. Talvez apenas uns poucos corações. Tantos quantos são precisos para que uma editora indie se predisponha a reeditar a sua obra, apenas e só porque não merece ficar perdida. Ou, quem sabe, talvez estes discos sejam o seu próprio coração, o registo fonográfico de uma série de batimentos cardíacos ocorridos nos anos oitenta e despoletados pelo mais nobre dos sentimentos - L'Amour, pois claro. Que é um disco majestoso sobre o seu título, uma memória de um sentimento tão forte que mereceu ser imortalizado em vinil. Só não merece, segundo Lewis, ser perpetuado.

Temos a bênção de ter descoberto Lewis e de conseguir olhá-lo sem noção de espaço-tempo. E é daí que poderemos, a partir da sua música, traçar ligações às mais recentes correntes retromaníacas, ou até mesmo à suavidade das vozes dos James Blake de hoje. Não obstante as comparações automáticas, o ex-cantor ocupa um lugar que é só seu, como foi só seu o amor que aqui sentiu. E, para já, falámos apenas de L'Amour, dos seus teclados e guitarras soft, de temas maravilhosos como "I Thought The World Of You", canção que consegue dizer tanta coisa sem que a voz que a canta seja facilmente perceptível (não neguemos que Lewis, por vezes, parece cantar com uma batata na boca - mas isso só aumenta a sua doçura). Mas poderíamos - e devemos - falar dos seus sucessores: Romantic Times, mais "cheio" e com um saxofone delicioso a adornar "We Danced All Night", bem como a pérola que é o ritmo estranhamente chopped and screwed que marca a valsinha de "Bon Voyage"; e Love Ain't No Mystery, a última das reedições, disco de crueza blues que marca o fim do amor contido nos seus predecessores.

É um tipo de música absolutamente raro, que conseguiu a proeza de ser antítese nos dois momentos em que foi colocada no mundo: nos anos oitenta dos grandes excessos e nos anos dez em que a pop resvala cada vez mais para terrenos bombásticos, com a "EDM" (expressão horrenda, já agora) à dianteira. É o tipo de música que nos faz agradecer o facto de ainda estarmos vivos e ainda existir um romance ao qual nos possamos agarrar. Chamem-lhe génio ou louco ou as duas coisas: Lewis, pura e simplesmente, não se importa com isso. Importemo-nos nós com aquilo que deixou.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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