DISCOS
Éme
Último Siso
· 29 Out 2014 · 23:03 ·
Éme
Último Siso
2014
Cafetra Records


Sítios oficiais:
- Éme
Éme
Último Siso
2014
Cafetra Records


Sítios oficiais:
- Éme
Não havia mal em ser foleiro.
Tudo muda, a idade pesa, o que hoje é aceitável amanhã é aberração. Crescemos, cometemos menos erros. Há uma ideia que te assola do pescoço para cima: não tarda será substituída por outra, e outra, e outra, tão rapidamente que nem te dás conta que para trás ficaram os melhores anos da tua vida, e todas as paixões que tiveste, todas as canções que imaginaste, todas as ruas que calcorreaste não são mais que meros grãos de areia no deserto do tempo. Enquanto isso vais vivendo. Enquanto isso, deixas ficar as gengivas inflamadas bem lá atrás porque ou temes o dentista ou não queres ficar uma semana sem te embebedares.

E depois há gajos como o Éme. Último Siso é o seu segundo disco, que traz uma maturidade que não se esperaria - especialmente tendo em conta o lugar maravilhoso de onde provém (a Cafetra) e considerando que Gância era, relembremos, "deliciosa e estultamente pueril". Último Siso, na medida em que a boca se torna adulta, ainda que, em "Cara Que Tenho", ele não o afirme peremptoriamente: não sei se é de grande ou não... Ouvir este disco é constatar uma mudança (demasiado?) brusca no longo caminho que ainda o espera, como se quisesse, do alto dos seus vinte e dois anos, fazer esquecer tudo o que está no passado, mais ou menos recente. Brusca porque ainda queríamos curtir um pouco mais a vida de braço dado com ele. Obrigatória porque já temos idade para ter juízo na puta da cabeça.

Não há volta a dar-lhe: Último Siso é perfeito para os dias de hoje porque, tal como o Éme, temos de crescer e cortar com o que ficou. Abençoado pelo trabalho extra-canção de B Fachada e Walter Benjamin, o segundo disco do músico lança às entranhas um aviso sério à navegação, o de que já não o podemos tratar como um miúdo a fazer cançonetas. Não: é mesmo um Senhor, com maiúscula, a fazer um disco soberbo, alicerçado em melodias e ritmos mais ou menos África-via-Fachada e em momentos de desvario soft rock dos anos oitenta, como a maravilhosa "Escolhe O Teu Veneno". Tão crescido que o berro em "Lisa" não vem da rebeldia, mas da carne. Tão grande que não pode senão ser um marco. Tão adulto que nos deprime. Um salvé à juventude que passou.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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