DISCOS
Eco Virtual
ATMOSPHERES 第2
· 24 Jun 2014 · 14:19 ·
Eco Virtual
ATMOSPHERES 第2
2014
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Eco Virtual
Eco Virtual
ATMOSPHERES 第2
2014
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Eco Virtual
Música é matemática.
De todos os micro-géneros surgidos nos últimos anos, nenhum terá apresentado uma estética tão definida como o vaporwave. Repositório para todos os sons que julgávamos não serem música, contrabalançar entre passado e futuro ou pedaço de retromania futurista, sátira ao capitalismo e globalização desenfreados e à realidade como apresentada pela mente de um publicitário: a análise sócio-cultural que se pode fazer a partir destes discos é gigante - e não será estranho que, daqui por uns tempos, alguém faça disto uma tese de mestrado. Centenas de estudantes de humanidades com óculos de massa e cigarros electrónicos estão neste momento a apontar a ideia.

Mas será isto "música"? Mesmo no noise, cena onde convergem toda a espécie de pensadores e cataclismos (e imensos autoclismos), a revelia apresenta-se como indo contra a arte musical em si, mesmo que exista espaço para inúmeras ideologias e mini-revoluções de carácter social. Já o vaporwave age mais como uma arte plástica e visual que, por acaso, se apropria de uma fórmula musical para encetar a sua crítica ao mundo que a rodeia. Por não utilizar o objecto musical em primeiro plano, traçando primeiro a ideia e depois a apresentação, será isto música per si? Ou o conceito de "música" ficou definido para sempre como o som por si só quando John Cage compôs "4'33"?

Tem de ser música - porque é som organizado que nos desperta uma reacção, seja ela positiva ou negativa. Indo beber à muzak e a uma miríade de melodias que sempre estiveram presentes no nosso imaginário, estamos tentados a colocar a vaporwave de lado como "música para ignorar" e não para respirar, música que ocupa o tempo morto em casa ou num escritório, semelhante aos CDs de pan pipes que se vendem nos AKIs desta vida. Provavelmente alguém terá pensado nesta mesma discussão quando Brian Eno lançou Music For Airports - e, hoje em dia, ninguém estaria tentado em dizer que não é música. E chamamos à baila Brian Eno como poderíamos chamar Erik Satie e a sua furniture music. É música porque é som; e se é som, há que guardar a lupa académica e falar destes discos como se falaria de um disco rock ou pop ou zydeco.

Serve isto para apresentar o segundo disco do desconhecido Eco Virtual, ATMOSPHERES 第2: melodias repescadas a jingles e música corporativa, resquícios dos antigos Windows e toques de telemóvel, englobados e tornados coesos ao longo de vinte e poucos minutos com títulos, lá está, ao mesmo tempo irónicos e certeiros na sua aproximação ao imaginário marketeer: "Sunrise At The Googleplex", "IKEA Ferns", "McDonald's Breakfast", "Silicon Valley Wind". Ao mesmo tempo, reaviva as memórias daqueles que viram os computadores pessoais invadir o mundo quando eram ainda crianças - o que torna a vaporwave música porque provoca um sentimento, nomeadamente nostálgico. Quanto a Atmospheres, longe das discussões, é uma belíssima audição de fim de tarde, o que já esperava por ser sobejamente fácil sentir apreço por algo que é apresentado de forma tão cristalina. Além de que a melhor parte de um noticiário é a musiquinha que toca durante a informação meteorológica. Como não amar?
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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