DISCOS
Thievery Corporation
Saudade
· 26 Mar 2014 · 10:41 ·
Thievery Corporation
Saudade
2014
ESL Music / Popstock


Sítios oficiais:
- Thievery Corporation
- ESL Music
Thievery Corporation
Saudade
2014
ESL Music / Popstock


Sítios oficiais:
- Thievery Corporation
- ESL Music
O silêncio é sexy.
É difícil colocar os Thievery Corporation no panteão do que quer que seja. Não existe ninguém que os ouça e declare que está perante a melhor banda do mundo - ou, se existem, fazem-no por mera divagação troll, impulsionados quer pelo álcool quer pelo estado puro de relaxamento que sentem ao ouvir os ritmos brasileiros dos quais ao duo de Rob Garza e Eric Hilton se tem apropriado desde que surgiram em 1997 com um disco chamado Sounds From The Thievery Hi-Fi. Paralelamente, não existe ninguém que olhe para os Thievery Corporation e lhes sinta qualquer tipo de repulsa; existe o desinteresse, existe a apatia, existem descrições da sonoridade da banda com recurso a um simples "meh", mas nunca um ódio profundo, o género de ódios fomentados por hypes mal desenvolvidos ou por sobrecarregamento - o género de ódios que, por exemplo, uma "Get Lucky" geraria. Estão ali no meio, nem sal nem pimenta, nem orgasmo nem flacidez.

E, no entanto e talvez por isso, mereçam ser escutados com o mínimo de atenção; música longe de epifanias, canções para momentos em que importa mais a paisagem ou o local do que a canção - um belíssimo poente a encher Lisboa de cor-incêndio, ou uma noite mais, passada em amena confraternização com amigos e amigos de amigos em bares, tragando gin atrás de gin enquanto meio milhão de pensamentos são expelidos a cada baforada num cigarro (não há-de ser à toa que os Thievery Corporation têm uma canção intitulada "Barrio Alto" [sic]: são e serão a banda-sonora desta acalmia de alma para sempre, dos minutos que antecedem o bom sono e o regresso à normalidade salarial e ao escapismo através do rock). Ao longo de mais de quinze anos de carreira nunca procuraram a fama, sendo que a fuga à sua bonomia quasi-rasta apenas se dá nas suas canções assumidamente políticas - de "Assault On Babylon" (1997) a "Exilio" (2002) a "Revolution Solution" (2005) até ao todo de Radio Retaliation e Culture Of Fear (os seus dois últimos discos, de 2008 e 2011 respectivamente).

Em 2014 regressam com Saudade, essa sensação indescritível e intraduzível que se associa em larga escala ao amor (um amor ele próprio indescritível e intraduzível, por alguém, por algo, por uma ideia). Novamente, souberam rodear-se de mulheres de vozes bonitas e sensuais; encontramos aqui a sua chanteuse de sempre, Lou Lou Ghelichkhani, mas também algumas desconhecidas como Karina Zeviani, Natalia Clavier ou Elin Melgarejo. Prometido que estava uma espécie de "regresso às origens", constatamos que o dub electrónico já não encontra aqui o peso que teve nos seus últimos três registos (culminando na maravilhosa "Stargazer", de 2011) e que a velhinha bossa nova volta a dar um ar da sua graça em canções do duo, eles que nunca a abandonaram verdadeiramente. Tudo debaixo de um manto confortável ao ouvido e ao ouvinte, poesia dissolvendo-se no ar. Silêncio ocupando o silêncio.

Sabemos ao que vamos quando arrancam os primeiros acordes de "Décollage"; uma viagem por décadas e décadas de história chill out - os junkies do caos need not apply - e por canções que, fôssemos nós uns inveterados românticos (e não o somos? É claro que o somos), colocaríamos certamente numa mixtape para a cara-metade. "Meu Négo" e "Firelight" apresentam-se como os primeiros momentos sensuais de um disco criado para se fazer o amor, mas "Sola In Citta" eleva a fasquia (porque poucas coisas são mais sexy que a língua italiana). Uma fasquia que "Nós Dois" rebenta: enquanto a vida nos deixar curtir assim... Longe de amores profundos e de ódios, os Thievery Corporation continuarão a mostrar-nos esta coolness que lhes é característica. E que bem que sabe ouvi-los sem pressões.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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