DISCOS
Lonnie Holley
Keeping Record of It
· 19 Nov 2013 · 11:28 ·
Lonnie Holley
Keeping Record of It
2013
Dust-to-Digital


Sítios oficiais:
- Lonnie Holley
- Dust-to-Digital
Lonnie Holley
Keeping Record of It
2013
Dust-to-Digital


Sítios oficiais:
- Lonnie Holley
- Dust-to-Digital
Velhos são os trapos, e trapos podem ser alta costura.
Há artistas que realmente definem o que é um “outsider artist”. Lonnie Holley é um deles. Não pela voz, ou por ser afro-americano, mas pelo percurso, apesar de no sentido inverso. Há qualquer coisa de Malcolm Mooney em Lonnie. Malcolm é hoje em dia um respeitado artista plástico que alguns recordarão como “um dia foi vocalista dos CAN”. Lonnie é há pelo menos duas décadas um conceituado artista plástico norte-americano que “um dia recordarão como um músico e cantor maravilhoso”. Não tenho dúvidas. Bill Callahan que o convidou para as sua primeiras partes na sua tour norte-americana, também não tem. Basta ouvir Just Before Music, a sua compilação do ano passado, para perceber que há algo estranhamente musical no escultor, artista visual Lonnie, também conhecido por The Sand Man. E quando digo estranhamente é um elogio, claro. É a sua voz pouco domesticada, a musicalidade esparsa, reminiscente do aproveitamento que já fazia na sua arte, ao reaproveitar o que parecia lixo, objectos perdidos, argila, e transformá-los em algo único, belo. As suas canções partilham da mesmo idiossincrasia. À partida parece arte bruta, algo encontrado e improvisado pela sorte, ocasião e pela oportunidade, mas no seu conjunto estamos perante alguma da melhor música do século XXI. Ainda por cima feita por um homem que nos seus cinquenta anos na altura, decide começar a gravar música. Intervenção mística, divina. Já muito antes tinha sido assim. Foi depois de um incêndio que vitimou duas sobrinhas suas, que começou a recolher restos na rua com os quais descobriu formas e expressões. De pós-apocalipse entende Lonnie.

E neste blá blá todo chegamos ao que interessa. A já mítica folk-digger Dust-to-Digital (que nome apropriado para editora do Lonnie) lançou talvez o melhor disco deste 2013 que caminha para o fim. Keeping a Record of It é absolutamente sublime. Engana-nos na sua cronologia, parecendo tratar-se do primeiro disco não compilação de Lonnie, mas ao tê-lo na mão descobrimos com prazer que é mais uma vez uma colectânea de temas que tem feito nos últimos anos, desta vez por vezes acompanhado, incluindo dois fãs e colaboradores muito especiais: Bradford Cox, o senhor Atlas Sound e membro dos Deerhunter, e Cole Alexander, membro dos Black Lips. Os três juntam-se em dois temas, acompanhando o teclado que parece encontrado na rua de Lonnie, com bateria e guitarra mais profissionais, acrescentando à sua música minimal um forte toque tribal em “From the Other Side of the Pulpit” e “Keeping a Record of It”, onde parece que temos uns Congotronics vs Rockers em drunfos a acompanhar.

Mas há mais, uma colaboração maravilhosa com a artista plástica Lilian Blades, no mais Arthur Russélico “Sun & Water”, que soa a cântico triste dos escravos na apanha do algodão versão digital. Há a pequena missa de gospel "alien" que é “Making a Joyful Noise”. Há “Mind On”, nova Lonnietronics lo-fi que nos leva a Arthur Russell de novo, num prisma de quase blues digital. “The Start of River’s Run (One Drop) traz-nos de novo à África transplantada para o Alabama da racista Birmingham de onde Lonnie é natural. E o seu cântico, entre silêncios, tem o verdadeiro condão de viajar e parar o tempo. É como todo o disco, tem a característica maravilhosa de nos fazer viajar e parar no tempo. Olhamos para o relógio ao começar a ouvir e tal, de repente é “Ena... já são?... Fónix!”. Keeping a Record of It possui igualmente, como os grandes discos que ficam para a história, a melhor canção do ano: “Six Space Shuttles and 144 000 Elephants”. Prémio para o melhor título do ano também. Nela também é Lonnie a solo. A sua voz, única, vivida e hipnótica, sobreposta a ritmos digitais do seu teclado básico, leva-nos numa imersão de regresso quase ao berço, a quando éramos crianças, embalados por este avô Cantigas em bourbon e mescalina, de 63 anos, imperdível tanto em disco como ao vivo, ainda para mais quando, olha a nossa sorte, vem tocar em Lisboa, dia 26 de Novembro, no Palácio Foz.
Nuno Leal
nunleal@gmail.com
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