Se há um risco inerente à música instrumental, será o de faltar quem ou o que carregue os sentimentos. É difícil fazer música que substitua as palavras, que nos faça esquecer a ausência da métrica e o peso de uma letra que diga (mais ou menos) claramente “amor”, “ódio”, “raiva”, “contemplação”. Talvez por isso aquilo a música instrumental esteja cheia de lugares e bocejos comuns, que nos fazem não sair do mesmo sítio. Talvez por contornarem isso tudo, os Torto tenham, neste primeiro EP, o melhor disco do ano.

É na ausência da palavra que estes “dois gordos e um queijo” brilham. Dispensam a palavra porque não precisam dela, não têm espaço para ela. É que a sua música é um diálogo. Íntimo, mutuamente atento, em que todos se completam, ninguém se atropela e todos ouvem o que têm a dizer entre si. Sem desperdícios de tempo e com uma noção de aproveitamento livre do espaço (ouça-se a drónica “Barcelos com Coda” ou a convulsionante “Batata Quente”), tudo flui com a naturalidade de um organismo vivo.

Tudo se processa à semelhança de um sonho tecido em pleno midwest (Tortoise, olá), com uma produção que ouviu e compreendeu a necessidade de diálogo para criar um universo que mais do que uma “Batata Quente”, é um “Tigre”. É a completude da guitarra de Jorge Coelho e do baixo de Miguel Ramos a responsável por uma viagem contemplativa e (que podia ser mais) longa e onde a bateria ajuda a regressar pontualmente à terra, sem nos tirar definitivamente da irrealidade.