DISCOS
Grimes
Visions
· 20 Fev 2012 · 10:27 ·
Num tempo sempre pop.
Se o acesso rápido a milhares de discos de diferentes estilos e partes do globo tem ajudado à criação musical de hoje, onde um artista pode pegar no samba, no rock psicadélico turco ou na música tradicional do Tahiti e misturar todas essas influências numa só canção sem que tal soe tão estranho como soaria antes da era da máxima informação, também trouxe um pequeno problema que deixa em stress aqueles entre nós que são obcecados por tags correctas: o que se há-de chamar a estes estilos, que não são exactamente novos, mas que também não são idênticos ao que existia anteriormente?
Há quem siga o precioso conselho dado pelo genial KC Green (Não tens a certeza? Então é "alternativo"), ou há quem se limite, ignorando o certo ar pretensioso que dele emana, a reutilizar o prefixo "pós-", adicionando assim ao pós-punk e ao pós-rock coisas como o pós-dubstep ou, no caso de Claire Boucher, alias Grimes, "pós-Internet". O que se torna, neste caso, outro problema, na verdade dois: 1) "pós-Internet" é um termo absolutamente estúpido; 2) ao contrário do punk ou do rock ou do hardcore, que de acordo com os puristas há muito que morreram, a Internet ainda se encontra no seu auge, e tem cada vez mais actuado como ferramenta indispensável na busca interminável da humanidade pela liberdade e pelo conhecimento (basta ver os protestos recentes ao ACTA e ao SOPA, ou o surgimento e crescimento de Partidos Piratas).
Portanto, Grimes não pode, por enquanto, ser pós-Internet. Se o objectivo é arranjar um género de nome idiota que tanto descreva o seu som como a era em que surge então sugere-se que se troque a prefixação pela sufixação: senhoras e senhores, eis a Internetcore. Sim, é mais difícil de pronunciar, mas transmite uma ideia de presente, ao invés de futuro: core remete para um núcleo, uma raiz, que no caso da canadiana é sem dúvida as horas que passou a ouvir música de diferentes géneros, graças à tal autoestrada. E, admitamos, pode ser imbecil, mas não tanto quanto witch house. A sério, quem teve a ideia de que os góticos gostam de dançar?
[n.r.: talvez estes gajos: http://www.youtube.com/watch?v=GOwZ1ilaJKc]
Pronto, está bem. Mas a ideia original mantém-se: o que Grimes faz não é música para uma geração que surja a seguir à Internet, mas para a geração que com ela cresceu e que a vive agora, que é o seu próprio caso. O que se retira de Visions, tal é a quantidade de estilos diferentes que se detectam ao longo do disco - desde os sintetizadores kraut em "Genesis", aos ecos de r&b (especialmente em "Circumambient"), às memórias rave presentes em "Be A Body", enquanto a voz de Boucher nos remete para os Cocteau Twins (ou: como ser uma melhor Lolita que Lana Del Rey) - é que Boucher soube pegar em todas essas fontes e transformá-las em algo que reflectisse tanto o tempo anterior como o presente; um produto, portanto, da actualidade e não de uma qualquer revolução musical, com os prós e contras que daí se retiram.
Chamem-lhe o que chamarem, Visions acaba por ser um disco puramente pop e não apenas uma experiência no Fruity Loops. Exímio a nível de produção e pleno de bonitas canções, assume-se como um dos primeiros grandes discos do ano que mal agora começou, sem que seja necessário um hype ou uma persona fictícia para o erguer acima da concorrência. As duas formas que toma - a forma mecânica, a.k.a. a tecnologia e as redes, e a humana, a pessoa (Claire) que as utiliza - não chocam uma na outra: misturam-se, o que confere a esta música uma qualidade simultaneamente electrónica e sonhadora, como se a resposta à pergunta de Philip K. Dick fosse "sim". Para ouvir e ter em atenção durante os meses que se seguem.
Paulo CecílioHá quem siga o precioso conselho dado pelo genial KC Green (Não tens a certeza? Então é "alternativo"), ou há quem se limite, ignorando o certo ar pretensioso que dele emana, a reutilizar o prefixo "pós-", adicionando assim ao pós-punk e ao pós-rock coisas como o pós-dubstep ou, no caso de Claire Boucher, alias Grimes, "pós-Internet". O que se torna, neste caso, outro problema, na verdade dois: 1) "pós-Internet" é um termo absolutamente estúpido; 2) ao contrário do punk ou do rock ou do hardcore, que de acordo com os puristas há muito que morreram, a Internet ainda se encontra no seu auge, e tem cada vez mais actuado como ferramenta indispensável na busca interminável da humanidade pela liberdade e pelo conhecimento (basta ver os protestos recentes ao ACTA e ao SOPA, ou o surgimento e crescimento de Partidos Piratas).
Portanto, Grimes não pode, por enquanto, ser pós-Internet. Se o objectivo é arranjar um género de nome idiota que tanto descreva o seu som como a era em que surge então sugere-se que se troque a prefixação pela sufixação: senhoras e senhores, eis a Internetcore. Sim, é mais difícil de pronunciar, mas transmite uma ideia de presente, ao invés de futuro: core remete para um núcleo, uma raiz, que no caso da canadiana é sem dúvida as horas que passou a ouvir música de diferentes géneros, graças à tal autoestrada. E, admitamos, pode ser imbecil, mas não tanto quanto witch house. A sério, quem teve a ideia de que os góticos gostam de dançar?
[n.r.: talvez estes gajos: http://www.youtube.com/watch?v=GOwZ1ilaJKc]
Pronto, está bem. Mas a ideia original mantém-se: o que Grimes faz não é música para uma geração que surja a seguir à Internet, mas para a geração que com ela cresceu e que a vive agora, que é o seu próprio caso. O que se retira de Visions, tal é a quantidade de estilos diferentes que se detectam ao longo do disco - desde os sintetizadores kraut em "Genesis", aos ecos de r&b (especialmente em "Circumambient"), às memórias rave presentes em "Be A Body", enquanto a voz de Boucher nos remete para os Cocteau Twins (ou: como ser uma melhor Lolita que Lana Del Rey) - é que Boucher soube pegar em todas essas fontes e transformá-las em algo que reflectisse tanto o tempo anterior como o presente; um produto, portanto, da actualidade e não de uma qualquer revolução musical, com os prós e contras que daí se retiram.
Chamem-lhe o que chamarem, Visions acaba por ser um disco puramente pop e não apenas uma experiência no Fruity Loops. Exímio a nível de produção e pleno de bonitas canções, assume-se como um dos primeiros grandes discos do ano que mal agora começou, sem que seja necessário um hype ou uma persona fictícia para o erguer acima da concorrência. As duas formas que toma - a forma mecânica, a.k.a. a tecnologia e as redes, e a humana, a pessoa (Claire) que as utiliza - não chocam uma na outra: misturam-se, o que confere a esta música uma qualidade simultaneamente electrónica e sonhadora, como se a resposta à pergunta de Philip K. Dick fosse "sim". Para ouvir e ter em atenção durante os meses que se seguem.
pauloandrececilio@gmail.com
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