DISCOS
PJ Harvey
To Bring You My Love
· 23 Set 2003 · 08:00 ·
PJ Harvey
To Bring You My Love
1995
Island
Sítios oficiais:
- PJ Harvey
- Island
To Bring You My Love
1995
Island
Sítios oficiais:
- PJ Harvey
- Island
PJ Harvey
To Bring You My Love
1995
Island
Sítios oficiais:
- PJ Harvey
- Island
To Bring You My Love
1995
Island
Sítios oficiais:
- PJ Harvey
- Island
Somerset, Inglaterra, inícios da década de noventa.
Da aliança criativa entre Steve Vaughn, Robert Ellis e Polly Jean Harvey nasce o projecto PJ Harvey. Captain Beefheart e Bob Dylan constituem as principais coordenadas. Guitarra, baixo, bateria e voz, os únicos instrumentos. A simplicidade nua e crua do rock e dos blues, uma arma. Dry (1992) e Rid Of Me (1993), os primeiros dois tomos do trio, começam por revelar o furacão infiltrado na personalidade frágil de Polly Jean Harvey, mas só em To Bring You My Love é que passa a ser possível descortinar a grandeza de tal persona.
To Bring You My Love (1995) representa já por si uma metamorfose literal. Corresponde à morte de PJ Harvey-trio e, simultaneamente, à reaparição de PJ Harvey enquanto personagem solitária. Vislumbra-se, neste período, uma Polly Jean a vestir a pele de PJ Harvey, a personagem que ainda hoje vive, apesar de todas as metamorfoses experimentadas, no seu corpo e alma. Para esta aventura, a mulher, actriz, bailarina e guitarrista contou, curiosamente, com uma mão cheia de colaboradores: John Parish, Joe Gore, Jean-Marc Butty e Mick Harvey. A produção do álbum ficaria a cargo de Flood, senhor responsável por um apuramento de som que jamais havíamos descoberto nos álbuns anteriores de PJ Harvey. Ironicamente mais acompanhada do que nunca, a Artista revela-se.
Ouvir, ver e sentir To Bring You My Love oito anos após sua edição permite-nos algumas certezas. É possível apontar-lhe, à distância de anos e comparativamente a trabalhos posteriores da carreira de PJ Harvey, uma genuinidade e aura quase perfeitas. Torna-se-nos acessível, através da sua música, a visão privilegiada da transfiguração de uma personagem angustiada e rude numa espécie de «sophisticated lady». Como que personagem de um filme, PJ Harvey mostra, aqui, como se pode ser sofisticada e elegante quando se é imperfeita. Do rock abrasivo dos dois primeiros álbuns e da experiência 4 Track Demos (em «Meet Ze Monsta» e «Long Snake Moan») à electrónica soturna (em «Down By The Water»), aos blues arrastados (no tema-título ou em «Teclo») e à folk acústica (em «C’mon Billy» ou «Send His Love To Me») - assim se tece a matéria de que To Bring You My Love é feito. Assim se (ante)vê ao longe Is This Desire?, o álbum que se lhe seguiria.
Polly brilha em todo o seu vestido vermelho de cetim. Dos pés à cabeça. Do coração aos seios. Por vezes sussura, por outras mascula a voz. Num instante canta como um anjo, noutro como o diabo. É assim PJ Harvey, figura franzina que dança como uma serpente. Aquela também que morreria quando Is This Desire? chegou aos escaparates.
Liricamente, Polly Jean nunca antes esteve tão perto da perfeição. Cada um dos dez temas que compõem o álbum conta uma história. Predominam as imagens e referências bíblicas e os pedidos de ajuda a Deus, mas nem só de procura de respostas na religião vive To Bring You My Love. Vive também do relato do seu encontro e confronto com o monstro da sua vida, do desejo de regresso do seu amante e do poder tentador da serpente. A dada altura, PJ Harvey implora pelo regresso da sua filha que caiu nas mãos de um chulo. Pede a Deus o seu amor quando perdida, só e apaixonada no deserto da amargura. Deus responde-lhe, anunciando a vinda do seu príncipe encantado (conferir em «The Dancer»).
Musicalmente abre grandiosamente e termina como começou. Pelo meio não se mexa o que tão genuinamente foi criado, mesmo que na matéria prima hajam imperfeições. To Bring You My Love é a criação suprema da carreira de uma mulher que sempre soube construir novas formas de se reinventar, mesmo que muita vezes a partir do defeito e de frustrações. To Bring You My Love oferece-nos PJ Harvey no que sempre melhor soube fazer: transformar amarguras e feridas em arte maior, única e mágica. A ouvir em repeat mode até à eternidade.
Tiago CarvalhoDa aliança criativa entre Steve Vaughn, Robert Ellis e Polly Jean Harvey nasce o projecto PJ Harvey. Captain Beefheart e Bob Dylan constituem as principais coordenadas. Guitarra, baixo, bateria e voz, os únicos instrumentos. A simplicidade nua e crua do rock e dos blues, uma arma. Dry (1992) e Rid Of Me (1993), os primeiros dois tomos do trio, começam por revelar o furacão infiltrado na personalidade frágil de Polly Jean Harvey, mas só em To Bring You My Love é que passa a ser possível descortinar a grandeza de tal persona.
To Bring You My Love (1995) representa já por si uma metamorfose literal. Corresponde à morte de PJ Harvey-trio e, simultaneamente, à reaparição de PJ Harvey enquanto personagem solitária. Vislumbra-se, neste período, uma Polly Jean a vestir a pele de PJ Harvey, a personagem que ainda hoje vive, apesar de todas as metamorfoses experimentadas, no seu corpo e alma. Para esta aventura, a mulher, actriz, bailarina e guitarrista contou, curiosamente, com uma mão cheia de colaboradores: John Parish, Joe Gore, Jean-Marc Butty e Mick Harvey. A produção do álbum ficaria a cargo de Flood, senhor responsável por um apuramento de som que jamais havíamos descoberto nos álbuns anteriores de PJ Harvey. Ironicamente mais acompanhada do que nunca, a Artista revela-se.
Ouvir, ver e sentir To Bring You My Love oito anos após sua edição permite-nos algumas certezas. É possível apontar-lhe, à distância de anos e comparativamente a trabalhos posteriores da carreira de PJ Harvey, uma genuinidade e aura quase perfeitas. Torna-se-nos acessível, através da sua música, a visão privilegiada da transfiguração de uma personagem angustiada e rude numa espécie de «sophisticated lady». Como que personagem de um filme, PJ Harvey mostra, aqui, como se pode ser sofisticada e elegante quando se é imperfeita. Do rock abrasivo dos dois primeiros álbuns e da experiência 4 Track Demos (em «Meet Ze Monsta» e «Long Snake Moan») à electrónica soturna (em «Down By The Water»), aos blues arrastados (no tema-título ou em «Teclo») e à folk acústica (em «C’mon Billy» ou «Send His Love To Me») - assim se tece a matéria de que To Bring You My Love é feito. Assim se (ante)vê ao longe Is This Desire?, o álbum que se lhe seguiria.
Polly brilha em todo o seu vestido vermelho de cetim. Dos pés à cabeça. Do coração aos seios. Por vezes sussura, por outras mascula a voz. Num instante canta como um anjo, noutro como o diabo. É assim PJ Harvey, figura franzina que dança como uma serpente. Aquela também que morreria quando Is This Desire? chegou aos escaparates.
Liricamente, Polly Jean nunca antes esteve tão perto da perfeição. Cada um dos dez temas que compõem o álbum conta uma história. Predominam as imagens e referências bíblicas e os pedidos de ajuda a Deus, mas nem só de procura de respostas na religião vive To Bring You My Love. Vive também do relato do seu encontro e confronto com o monstro da sua vida, do desejo de regresso do seu amante e do poder tentador da serpente. A dada altura, PJ Harvey implora pelo regresso da sua filha que caiu nas mãos de um chulo. Pede a Deus o seu amor quando perdida, só e apaixonada no deserto da amargura. Deus responde-lhe, anunciando a vinda do seu príncipe encantado (conferir em «The Dancer»).
Musicalmente abre grandiosamente e termina como começou. Pelo meio não se mexa o que tão genuinamente foi criado, mesmo que na matéria prima hajam imperfeições. To Bring You My Love é a criação suprema da carreira de uma mulher que sempre soube construir novas formas de se reinventar, mesmo que muita vezes a partir do defeito e de frustrações. To Bring You My Love oferece-nos PJ Harvey no que sempre melhor soube fazer: transformar amarguras e feridas em arte maior, única e mágica. A ouvir em repeat mode até à eternidade.
tcarvalho@esec.pt
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