DISCOS
Johnny Cash
At San Quentin (live)
· 13 Set 2003 · 08:00 ·
Johnny Cash
At San Quentin (live)
1969
Columbia


Sítios oficiais:
- Johnny Cash
- Columbia
Johnny Cash
At San Quentin (live)
1969
Columbia


Sítios oficiais:
- Johnny Cash
- Columbia
Johnny Cash era um rufia tido como uma das mais imponentes figuras da música country do pós-guerra. Não soava a Nashville nem a rock ‘n’ roll, fazia um som distinto e retumbante, desprendido e básico. Nascido e criado no Arkansas, Cash começou a escrever as suas canções aos 12 anos. Mais tarde, com a eclosão da Guerra da Coreia, alistou-se na Força Aérea. Foi por lá que comprou a sua primeira guitarra e aprendeu a tocar sozinho. Em 1955, conseguia uma audição para a Sun Records e o seu fundador, Sam Phillips. Apresentando-se inicialmente como um cantor de gospel, Cash não convenceu e Phillips rejeitou-o. No final dessa década, em resposta à vaga crescente de popularidade, o músico começou a tomar anfetaminas para se conseguir aguentar nas quase 300 actuações anuais. Alguns anos mais tarde, muda-se para Nova Iorque, deixando a sua família pelo caminho. Por essa altura, estava a ter problemas com a justiça, sobretudo depois de ter ateado fogo numa floresta. Cash chegou a ser detido em El Paso por tentar contrabandear anfetaminas, que colocava dentro da sua guitarra. Depois do divórcio com a sua primeira companheira Vivian, o músico aproximou-se mais de June Carter, que refreou a sua dependência de fármacos e o converteu ao Cristianismo fundamentalista. Na aurora do ano 1968, Cash pediu Carter em casamento durante um concerto.

O álbum “Nashville Skyline” (1969) de Bob Dylan testemunhou a participação de Johnny Cash. O retorno desta cooperação deu-se com a presença de Dylan no primeiro programa de “The Johnny Cash Show” para a cadeia de televisão ABC, que se manteve em antena durante dois anos. No início dos anos 70, o casal Cash tornou-se bastante activo socialmente, advogando os direitos civis dos Nativos-Americanos e dos prisioneiros. A década seguinte seria algo conturbada porque, apesar de se ter tornado na mais jovem inserção para o Country Music Hall of Fame, Johnny Cash experimentava problemas de vendas e conflitos com a editora Columbia. Em 1993, assina um contrato com a American Records, que lhe valeu o resgate do esquecimento a que seria abandonado. O seu primeiro disco para aquela etiqueta, “American Recordings”, foi produzido por Rick Rubin, o fundador da editora. Seguiu-se “Unchained”, o segundo tomo, três anos mais tarde. Na Primavera de 2000, Cash compilou “Love, God, Murder”, uma retrospectiva em três volumes a fazer luz sobre os temas dominantes na sua lírica. No mesmo ano, era editado “American III: Solitary Man”. Johnny Cash preparava-se para viajar para a Califórnia, onde tencionava prosseguir as gravações para o último disco da série. Isto depois de ter tido alta hospitalar de um internamento de duas semanas, devido a problemas de estômago não especificados. Três dias depois, a 12 de Setembro último, Cash morria na sequência de problemas respiratórios.

Há uma espiral histórica que se enreda na recuperação do álbum “At San Quentin”, de 1969. O guitarrista Luther Perkins, que ladeava Johnny Cash nos Tennessee Two, desaparecera em Agosto de 1968, sete meses antes da actuação, que deu origem ao álbum, ter sido gravada. Cash encontrava-se no topo do mundo de orientações country com “At Folsom Prison” a conseguir grande aceitação. O músico torna a audiência refém da sua performance, mas a condição de refém da carne e da alma é partilhada por Johnny Cash. Ele é um deles. É um saltimbanco, um fora-da-lei irreverente de requintes mestiços. Um renegado do mundo que canta sobre ele sob os desígnios do amor, de Deus e do homicídio. As suas palavras são lancinantes punhaladas que, em última análise, soam reconfortantes. Como um tónico que se toma depois de se tingir os lábios de veneno. A música é um friso deslizante entre a decepção e a crítica mordaz de dentes cerrados. A actuação é curta mas espessa e quente. Uma jornada baladeira e encharcada de nostalgia e apego à face mais escura da vida, uma derrapagem. E ainda se escuta ‘Darlin’ Companion’, dos Lovin’ Spoonful na voz de Cash, e ‘A Boy Named Sue’ de Shel Silverstein. Johnny Cash era uma existência marginal como comprova magistralmente em ‘I Walk the Line’, tema solicitado em uníssono pelo auditório de bandidos e detidos da vida. Um imaginário de western desprende-se das suas composições. Uma cidade sitiada, que respira pólvora e chumbo. Com as portas do saloon abertas aos ouvintes que gostam de confraternizar. E o xerife a beber com os criminosos e a afixar cartazes “procura-se morto ou vivo”. Ou, então, Cash é a voz dos proletários contra os congressistas. Um guia dos nativos na resistência à opressão sanguinária. Em 2000, a Columbia recuperou o disco, adicionando nove canções até então não editadas. Actualmente, esta é a única forma de adquirir o disco. O recolher obrigatório é ao cair da noite. Johnny Cash já descansa em paz.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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