Pesadelos de cera. Superfícies enceradas de contemplação artística. Rasgos de hip-hop de câmara, música para ouvir em ambiente doméstico, numa espécie de recolher obrigatório para uma agradável fruição dos elementos do todo, sempre incompleto, reticente em cada tema. O conceito pode afastar alguns enquanto aproxima outros, desígnio que sempre acompanha as obras mais geniais. Mind Elevation, o derradeiro capítulo (até à data) dos Nightmares on Wax, não chega a ser um passo atrás. Apenas o cumprimento das profecias de um oráculo, que nunca falou em colocá-los no altar do Olimpo da electrónica atravessada por iluminuras hip-hop e fragmentos trip-hop e club.

Em 1988 nascia em Yorkshire, na Inglaterra de final de década, o projecto de George Evelyn e Kevin Harper. Rapidamente os Nightmares on Wax passaram a figurar na rota do techno britânico da era pós-rave de início dos 90. O disco que marcou a estreia foi A Word of Science, que se constitui como um túnel centrifugador capaz de agregar os diferentes idiomas disseminados na orla atlântica norte. Eram eles a house e o electro confeccionados em Nova Iorque, o techno e a soul de Detroit, a rave e o acid londrinos, bem como o aprofundar do eclecticismo das dinastias vindouras. Estava preparado o tubo de ensaio que veio a testemunhar experimentações downtempo com baterias apontadas ao hip-hop e a uma espécie híbrida chamada electro-funk. Estava erguida essa enorme fábrica de sonhos que são os Nightmares on Wax.

Na ressaca da edição de A Word of Science, a formação desmantelou-se: Harper experimentou carreira enquanto DJ e Evelyn aumentou o caudal criativo da secção house da Nucleus, uma subsidiária da editora Warp. Depois de um interregno de quatro anos, Evelyn participa na compilação Headz da Mo’ Wax e edita Smoker’s Delight, um manifesto claramente hip-hop com alíneas descartáveis de descarga instrumental. Em 1999, na sequência de um acordo firmado com a independente Matador, é lançado Carboot Soul, o mais excitante manual de cruzamento de linguagens artísticas, suportado por uma pluralidade de géneros que encontra na samplagem e no sequenciamento os seus nutrientes vitais. E eis-nos chegados a Mind Elevation, ainda com o selo do ano passado.

Alguns pontos abaixo do seu antecessor, o disco não deixa por isso de ser uma obra magistral, de extracção dos pigmentos sonoros de um espectro imenso de possibilidades de estúdio. Evelyn volta a mostrar a sua destreza ao construir uma muralha sónica em torno de uma voz dilacerada e refeita vezes sem conta. Cada pedaço atmosférico na música dos Nightmares on Wax recebe inputs de camadas de outros sons e amplitudes. A forma é irregular, saturada, apesar de repetir as anteriores sequências e sequenciar as repetições que estão para vir. Os temas ‘Date With Destiny’ e ‘70s 80s’ parecem organismos fecundados in vitro e introduzidos num esqueleto sonoro com ramificações várias. A noção de tempo é esbatida contra as paredes das composições aqui presentes. O tempo é como um borrão numa pintura, que percorre, lânguido, o espaço entre as faixas. ‘Humble’ arranca os ponteiros e torce-os na viagem intergaláctica de corpo e mente que é Mind Elevation. Para ouvir em ambientes nocturnos por forma a que o som que emana do disco possa esculpir as formas sugeridas e reorganizar os espaços e os silêncios.