DISCOS
Grouper
A I A : Alien Observer / A I A : Dream Loss
· 17 Mai 2011 · 19:31 ·
Grouper
A I A : Alien Observer / A I A : Dream Loss
2011
Yellow Electric
Sítios oficiais:
- Grouper
A I A : Alien Observer / A I A : Dream Loss
2011
Yellow Electric
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- Grouper
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A I A : Alien Observer / A I A : Dream Loss
2011
Yellow Electric
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A I A : Alien Observer / A I A : Dream Loss
2011
Yellow Electric
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Regresso da "Senhora das Águas" em dois discos entrelaçados no fantasma da canção.
Para todos os efeitos, o cunho da expressão freak folk acabou por se consignar ao abrigo da amplitude difusa de uma new weird america à procura dos seus fantasmas que, numa demanda por The Hangman's Beautiful Daughter se esqueceu da década precedente. Ou como o psicadelismo rural dos Flying Saucer Attack era banda sonora perfeita para avistamentos (paisagem de crop circles), enquanto metáfora para uma liturgia nascida do isolamento. Uma devoção que não pede meças à comunhão tripada ou ao misticismo, mas antes ao reconhecimento do Ser numa conjectura grandiosa e continuamente indecifrável que tem tido em nomes como a Christina Carter alguns dos seus pregadores mais interessantes.
Não que Liz Harris tenha alguma vez apanhado de surra um bandwagon de agricultores com muita música refractada no cérebro, mas as inflexões folk ao abandono de Wide chegaram desprovidas de tape hiss a Dragging a Dead Deer Up a Hill, com todo o ocultismo campestre subjacente a essa ideia disposto numa matéria mais clarividente. Que apesar de alguns momentos memoráveis (“Heavy Water/I'd Rather Be Sleeping” tem aquele estatuto de “malha de mixtape caseira para oferecer à gaja caladinha de belas artes”), se viu privado da materia residual que fez de Way Their Crept um disco tão intrigante no modo como volatilizava a canção sem se desvanecer na sua nebulosidade.
O breakthrough pela depuração que tem agora sequela bipartida em A I A. Sem representar um espectro bipolar entre o drone e a canção, confere a Alien Observer e a Dream Loss uma identidade distinta sob uma mesma cortina de fumo amplamente reconhecível. Com a memória e os seus intrincados processos sempre em fundo, qual statement etéreo que habita constantemente naquele recanto do cérebro em que a recordação do objecto (a canção, o som) é um fim em si mesmo.
De acordo com a própria, Dream Loss é um disco de “fantasmas de canções”, que não deixando de ser uma descrição precisa da sua música na generalidade, acaba por servir como o ponto de referência que o separa do maior planeamento sonoro de Alien Observer. Uma conceptualização pouco formal que acaba por estar mais dependente de uma lógica temporal (a altura em que foram gravados e o mindframe consequente) do que de um manifesto a priori. Num contínuo, Dream Loss deixa as pontas soltas que se recolhem em Alien Observer, numa cronologia que acaba por ligar intimamente os dois discos sob o signo A I A
Dream Loss é menos objectivo. Deixa corromper a experiência cognitiva com recurso a um lamaçal harmónico, pejado de fitas carcomidas e melodias em dissolução onde o reverb e o delay assumem um papel primordial. “I Saw a Ray” inunda-se de distorção, mas um pouco por todo o lado é uma poeira celestial que se abate sobre estas canções-fantasma, com “Soul Eraser” à beira da desintegração e “No Other” a capitular os momentos mais rarefeitos de algo como He Knows, He Knows, He Knows com um maior aprumo. “A Lie” encerra o disco com toda a contenção que lhe precedeu, alinhando camadas de vozes sobre notas dolentes. A dormência fixe (na onda do “estar dentro de água à noite depois de fumar uns charros” ou qualquer cena über-imagética semelhante) que nunca se confunde com torpor apático: estados pré-sono, hauntologia e tudo isso. Ya know the drill.
Ainda que distante de Dragging a Dead Deer Up a Hill, Alien Observer será mais ressonante para com os apaixonados desse disco. Na verdade, apenas o tema título terá esse potencial cantarolável, com uma dedilhado simples a desenhar o arco para suster as palavras de Harris de modo minimamente perceptível, naquela que será a love song óbvia. “Come Softly” é tangencial nesse MO, mas falha enquanto lullaby pela rotina simplista. Ao longo de Alien Observer instaura-se uma placidez que leva a alguns momentos de Cover the Windows and the Walls como o todo-nuvem de “Moon is Sharp” e “She Loves Me That Way”, e que em “Vapor Trails” vão despontar em muita gente termos tão sofríveis como “intimista” ou “contemplativo”, agora que “atmosférico” é tão anos 90 que já ninguém ousa dizê-lo.
Tocando o preâmbulo deste texto, A I A é, de novo, a assombração da folk depois das boas intenções de Dragging a Dead... não terem tido a correspondência devida nos actos. Factualmente, impera uma mesma “pobreza”, filtrada por uma sensibilidade outsider que não se deixa encantar pela sua estranheza (a razão pela qual Fursaxa pode ser tão obnóxia por vezes), e que reverencia todo o seu legado numa música suspensa no seu apelo sensorial. Ou espiritual, para quem for dado a essas merdas. Para muitos, trata-se apenas de “música bonita” para quem toda esta verborreia é um mero capricho analítico. Quem sou eu para julgar?
Bruno SilvaNão que Liz Harris tenha alguma vez apanhado de surra um bandwagon de agricultores com muita música refractada no cérebro, mas as inflexões folk ao abandono de Wide chegaram desprovidas de tape hiss a Dragging a Dead Deer Up a Hill, com todo o ocultismo campestre subjacente a essa ideia disposto numa matéria mais clarividente. Que apesar de alguns momentos memoráveis (“Heavy Water/I'd Rather Be Sleeping” tem aquele estatuto de “malha de mixtape caseira para oferecer à gaja caladinha de belas artes”), se viu privado da materia residual que fez de Way Their Crept um disco tão intrigante no modo como volatilizava a canção sem se desvanecer na sua nebulosidade.
O breakthrough pela depuração que tem agora sequela bipartida em A I A. Sem representar um espectro bipolar entre o drone e a canção, confere a Alien Observer e a Dream Loss uma identidade distinta sob uma mesma cortina de fumo amplamente reconhecível. Com a memória e os seus intrincados processos sempre em fundo, qual statement etéreo que habita constantemente naquele recanto do cérebro em que a recordação do objecto (a canção, o som) é um fim em si mesmo.
De acordo com a própria, Dream Loss é um disco de “fantasmas de canções”, que não deixando de ser uma descrição precisa da sua música na generalidade, acaba por servir como o ponto de referência que o separa do maior planeamento sonoro de Alien Observer. Uma conceptualização pouco formal que acaba por estar mais dependente de uma lógica temporal (a altura em que foram gravados e o mindframe consequente) do que de um manifesto a priori. Num contínuo, Dream Loss deixa as pontas soltas que se recolhem em Alien Observer, numa cronologia que acaba por ligar intimamente os dois discos sob o signo A I A
Dream Loss é menos objectivo. Deixa corromper a experiência cognitiva com recurso a um lamaçal harmónico, pejado de fitas carcomidas e melodias em dissolução onde o reverb e o delay assumem um papel primordial. “I Saw a Ray” inunda-se de distorção, mas um pouco por todo o lado é uma poeira celestial que se abate sobre estas canções-fantasma, com “Soul Eraser” à beira da desintegração e “No Other” a capitular os momentos mais rarefeitos de algo como He Knows, He Knows, He Knows com um maior aprumo. “A Lie” encerra o disco com toda a contenção que lhe precedeu, alinhando camadas de vozes sobre notas dolentes. A dormência fixe (na onda do “estar dentro de água à noite depois de fumar uns charros” ou qualquer cena über-imagética semelhante) que nunca se confunde com torpor apático: estados pré-sono, hauntologia e tudo isso. Ya know the drill.
Ainda que distante de Dragging a Dead Deer Up a Hill, Alien Observer será mais ressonante para com os apaixonados desse disco. Na verdade, apenas o tema título terá esse potencial cantarolável, com uma dedilhado simples a desenhar o arco para suster as palavras de Harris de modo minimamente perceptível, naquela que será a love song óbvia. “Come Softly” é tangencial nesse MO, mas falha enquanto lullaby pela rotina simplista. Ao longo de Alien Observer instaura-se uma placidez que leva a alguns momentos de Cover the Windows and the Walls como o todo-nuvem de “Moon is Sharp” e “She Loves Me That Way”, e que em “Vapor Trails” vão despontar em muita gente termos tão sofríveis como “intimista” ou “contemplativo”, agora que “atmosférico” é tão anos 90 que já ninguém ousa dizê-lo.
Tocando o preâmbulo deste texto, A I A é, de novo, a assombração da folk depois das boas intenções de Dragging a Dead... não terem tido a correspondência devida nos actos. Factualmente, impera uma mesma “pobreza”, filtrada por uma sensibilidade outsider que não se deixa encantar pela sua estranheza (a razão pela qual Fursaxa pode ser tão obnóxia por vezes), e que reverencia todo o seu legado numa música suspensa no seu apelo sensorial. Ou espiritual, para quem for dado a essas merdas. Para muitos, trata-se apenas de “música bonita” para quem toda esta verborreia é um mero capricho analítico. Quem sou eu para julgar?
celasdeathsquad@gmail.com
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