DISCOS
The Cinematic Orchestra
A Man With a Movie Camera
· 15 Jul 2003 · 08:00 ·
The Cinematic Orchestra
A Man With a Movie Camera
2003
Ninja Tune


Sítios oficiais:
- The Cinematic Orchestra
- Ninja Tune
The Cinematic Orchestra
A Man With a Movie Camera
2003
Ninja Tune


Sítios oficiais:
- The Cinematic Orchestra
- Ninja Tune
Não é a primeira vez que é feita música para acompanhar a obra máxima de Vertov, O Homem da Câmara de Filmar (1929), mas nunca como no caso da Cinematic Orchestra foi atingida uma projecção mediática tão elevada. Já em 1999 os In The Nursery o haviam feito, mostrando uma grande capacidade para criar música para acompanhar a tela, com recurso principal às electrónicas. O disco, apesar de se encontrar no mercado com relativa facilidade, nunca chegou a garantir a notoriedade que merecia e não deixa de ser curioso que seja esta nova versão a fazer pender sobre ele novas atenções. A era do DVD permitiu à Cinematic Orchestra uma edição naquele formato, e assim uma leitura completa dos acontecimentos: o clássico de Vertov, com imagens de um séc. XX ainda mal medido, pode finalmente ser visto no conforto da casa de cada um com a música composta pela Cinematic.

A história é conhecida, e surgiu do convite de Dario Oliveira e Miguel Dias (que muitos conhecerão como directores do festival de curtas-metragens de Vila do Conde), que propuseram à banda de Jason Swinscoe um “remake” da banda sonora do clássico soviético. Desafio aceite, a apresentação foi levada a cabo em Maio de 2000, e Everyday (2002) já era baseado no filme, tanto que os principais temas – “Burnout”, “All things to all men”, “Evolution” e “Man with the movie camera” – já faziam parte do alinhamento desse disco, com versões diferentes.



O FILME/DVD. Será discutível apontar Dziga Vertov, e não Vsevolod Pudovkine, como o mais fulcral cineasta surgido na dianteira de uma agitação nas artes que teve início com a Revolução Soviética, mas neste caso, Vertov mostrava já um cinema liberto, com um gosto afincado pela singularidade humana e por todos os instrumentos que poderia ter ao seu dispor para dar mais ênfase àquilo que se passava na película (a que hoje se chama “efeitos especiais”).

Passaram mais de sete décadas sobre a realização da obra, e não deixa de ser um facto a assinalar que todos quantos vejam o filme lhe reconheçam uma contemporaneidade estranhamente invulgar. Ainda mais, sabendo que estamos mais próximos de um acontecimento histórico como a II Guerra Mundial do que da realização do filme. Exemplo paradigmático para a confirmação da qualidade da vanguarda artística surgida na União Soviética e confirmação lógica do porquê da perfeita estupefacção que se sente ao ver a obra.

Mostrando um homem com uma câmara de filmar pelas ruas de Moscovo, gravando um dia daquela cidade, não existe um guião ou uma história a seguir. Não existem, sequer, personagens. O operador de câmara que acompanhamos ao longo do filme acaba por ganhar inevitável destaque, função que ficou a cargo do irmão de Vertov, Mikhail Kaufman. O que interessa sempre é a palpitação dos dias e das gentes que os compõem e abrilhantam. A vida.

O DVD “divide” o filme em 17 partes, tantas quanto as músicas que lhe dão nova leitura, e conta ainda com alguns extras onde se destacam a actuação ao vivo (com apenas dois temas) da Cinematic Orchestra em Londres e um pequeno documentário com algumas palavras de Jason Swinscoe.



A BANDA SONORA. A orquestra já se dizia cinemática desde “Motion” (1999), mas a verdade é que só agora começa finalmente a legitimar plenamente o nome que ostenta. Não é a primeira vez que compõem uma banda sonora. Já haviam feito música para um filme de Bruce McDonald, mas nunca chegou a ser aplicada conjuntamente com as imagens. Também já expressaram o desejo de o voltar a fazer, facto a que não deve ser alheio o nome que ostentam. Afinal de contas, com um nome assim, não se pode pensar de outra maneira.

Distando os dois objectos mais de setenta anos, houve quem caísse na tentação de catalogar este projecto como um anacronismo. E pode ser um anacronismo, mas há mais elementos que o contrariam do que os que o provam. A primeira das quais, o facto do jazz ter atingindo a sua época de ouro naquele tempo e assim não haver um distanciamento entre os estilos tão demarcado. É certo que há uma fusão de electrónica com jazz (a Cinematic Orchestra possui um Dj), mas o produto final evidencia-se essencialmente orgânico. Outro facto que contraria a ideia de anacronismo é o conceito em si. Não se trata de inscrever o filme como um elemento datado e relegá-lo para a época em que se inscreve, mas antes assumi-lo como objecto vivo e actual.

A música, relativamente a “Everyday”, perdeu as vozes e passou a um registo somente instrumental (apesar de ao vivo contar com a presença de uma vocalista). Apresentando arranjos mais orquestrais, e um dosear de uma “pronúncia” jazzy mais evidente, são de destacar temas tão ilustres quanto “Theme De Yoyo“ (uma versão de uma música dos The Art Ensemble of Chicago, de 1970) e “Work It!”, este último um momento que exigiu um maior intensidade rítmica devido a uma sequência onde se consagra a aliança homem-máquina. Desenrolando-se depois entre uma espontaneidade minimalista pouco linear e grandes picos de energia determinada, a banda sonora d’ O Homem da Câmara de Filmar é um episódio sedutor, descendente das novas técnicas de interagir som e imagem através do DVD.
Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
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