DISCOS
Arab Strap
The Week Never Starts Round Here / Philophobia [Reedições]
· 19 Jan 2011 · 00:47 ·
Arab Strap
The Week Never Starts Round Here / Philophobia [Reedições]
2010
Chemikal Underground / Popstock
Sítios oficiais:
- Chemikal Underground
- Popstock
The Week Never Starts Round Here / Philophobia [Reedições]
2010
Chemikal Underground / Popstock
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Arab Strap
The Week Never Starts Round Here / Philophobia [Reedições]
2010
Chemikal Underground / Popstock
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The Week Never Starts Round Here / Philophobia [Reedições]
2010
Chemikal Underground / Popstock
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Dois documentos essenciais sobre o triste mundo que existe entre a alegria de foder e a miséria de não foder.
It was the biggest cock you'd ever seen / But you've no idea where that cock has been - Ă© esta a inesquecĂvel “bojarda” que dá inĂcio a Philophobia, o segundo (e melhor) álbum de Arab Strap. SĂŁo dois versos apenas os que bastam para nos apercebermos da mudança nos ânimos de Aidan Moffat e Malcolm Middleton. Sim, eles mesmos, o duo tantas vezes proclamado como o mais miserável de todo o Reino Unido. Depois de um primeiro disco de romaria pelos bares e camas de Falkirk, na EscĂłcia, os Arab Strap fechavam para balanço emocional, e o que encontraram foi uma sĂ©rie de dramas com o tamanho da tal pila. No “dia seguinte”, Philophobia sofre as consequĂŞncias, e as náuseas, da promiscuidade generalizada do primeiro The Week Never Starts Round Here. Enquanto este vive num impasse de sábado e domingo, algures entre o deboche e o tĂ©dio, Philophobia Ă©, na semana Arab Strap, uma pesada segunda-feira, com tudo o que isso acarreta para dois gajos obcecados em remoer o que sobra das relações.
Os Arab Strap não podiam ser mais francos nas canções que descobrem entre as cinzas da euforia. Apesar de por vezes vago, na enumeração das lendas urbanas de Falkirk, The Week Never Starts Round Here consegue também ser directo (e duro) na inquisição às mulheres que o preenchem – o que até não é de estranhar, num disco supostamente inspirado pela generosidade de uma empregada de bar, de nome Gina, que andou com Aidan e Malcolm ao mesmo tempo. Uma situação que seria desastrosa, na maioria dos casos, acabou também por consolidar o pacto Arab Strap, ao ponto da identidade musical do duo parecer partir de um só homem.
E assistir ao desenrolar dessa união é, para quem gosta a sério de Arab Strap, um prazer sem preço – convenhamos que existe algo de muito bonito na relação de dois amigos, que, depois de muitos copos e episódios partilhados, passam a completar as frases um do outro. Arab Strap vive também desse entendimento, em que a voz de Aidan Moffat é o que falta às instrumentações de Malcolm Middleton, e vice-versa (talvez por isso as carreiras a solo de ambos nunca tenham descolado). O que distingue então os Arab Strap de tantas outras bandas britânicas? Pois bem, Aidan Moffat não canta, mas também não fala – exercita, como só ele sabe, um inimitável sotaque escocês, que atribui subtexto e caule aos episódios, sem nunca resvalar para o vazio da declamação Abrunhosa. Além disso, os primeiros discos beneficiam também do perfeito estado de graça do multi-instrumentista Malcolm Middleton. Ele que, por esta altura, parecia não saber como falhar nas guitarras escolhidas para dar vida a cada sentimento da extensa neura Arab Strap: fosse o ciúme e a paranóia, a lamúria de bêbado, em “Wasting”, ou todas as cores que a angústia tem.
NĂŁo sendo fácil encontrar uma catalogação para o cĂłdigo musical dos Arab Strap, que envolve tambĂ©m caixas de ritmos, teclas e violoncelos, há que aproveitar estes momentos para dar alguma utilidade aos termos pĂłs-folk e pĂłs-rock. Evocar o primeiro explica como The Week… distorce a folk atĂ© anular por completo o seu aspecto idĂlico (de origem), já o pĂłs-rock indicará que os Arab Strap preferem muitas vezes ser guiados pelos instrumentos (e narrativas) e nem tanto pelos rigores da canção. Ao conceder alma prĂłpria Ă s guitarras, em Philophobia sobretudo, Malcolm Middleton salva os Arab Strap da prisĂŁo verso-refrĂŁo-verso e alcança, muito naturalmente, canções maiores como “New Birds” e “My Favourite Muse”. Com isto, Middleton antecipava tambĂ©m um pouco daquilo que viria a ser, um ano depois, Come on die young, dos vizinhos escoceses Mogwai: um disco retido em casa para introspecção atravĂ©s das guitarras. Facilmente enquadráveis na camaradagem, que une as duas bandas (Aidan Moffat emprestou a sua voz a alguns temas de Mogwai), Philophobia e Come on die young aproximam-se tambĂ©m por serem discos de contenção, que cedem apenas num Ăşnico momento de apoteose: “New Birds”, no caso do primeiro, e “Christmas Steps”, no segundo. Ambos sĂŁo temas obrigatĂłrios.
A culpa de tanto sentir seria provavelmente dos dias vividos na EscĂłcia. Respectivamente lançados em 1996 e 1998, The Week Never Starts Round Here e Philophobia colhem o desalento e as incertezas instaladas com dois acontecimentos da primeira metade dessa dĂ©cada: a decadĂŞncia da cultura rave, no Reino Unido, e o tiro de caçadeira que encerra um ciclo em que o rock parecia sĂŞ-lo de novo. Como seria de esperar, a implosĂŁo de todo o frenesim rave gerou silĂŞncio e sobriedade, e muito tempo para pensar em merdas. Os tĂtulos de “Coming Down” e (a pancada forte de) “The Clearing”, as duas primeiras faixas do disco de estreia, indicam precisamente que aquele era o tempo de “cair na real”. AlĂ©m disso, e olhando de perto para a EscĂłcia, os lamentos suburbanos dos primeiros Arab Strap nĂŁo diferem muito daqueles que, alguns anos antes, dominavam as conversas entre os “agarrados” de Trainspotting. A depressĂŁo e a fraca auto-estima escocesas encontram-se escancaradas na lĂrica ruminante dos primeiros Arab Strap, assim como no monĂłlogo inicial de Trainspotting, que cedo leva a sua diatribe por estas palavras: NĂŁo tenho chavala, hoje nĂŁo fodo; tenho chavala, Ă© chata com'Ăł raio. Ralamo-nos com contas, com comprar comida, com a equipa de futebol que nunca ganha(…). As frases podiam ser do prĂłprio Aidan Moffat.
SĂŁo apenas trinta quilĂłmetros aqueles que separam Falkirk de Edimburgo, a metrĂłpole de Trainspotting, mas The Week Never Starts Round Here faz crer que a morada dos Arab Strap fica a galáxias de qualquer parte minimamente interessante no mundo. Trata-se portanto de um manifesto de profundo desprezo e alienação apontado a uma cidade que nunca chegará a ter a relevância de Glasgow ou Edimburgo. E, quando nĂŁo há muito para fazer num ermo, alĂ©m de foder a cabeça e tambĂ©m quem vai aparecendo, as motivações viram-se para modalidades como “o beber atĂ© cair” ou “o vamos pregar partidas”. Ao absorver essas duas tendĂŞncias, The Week Never Starts Round Here resulta num conjunto de canções perturbadas, que um desgraçado deixaria no gravador de chamadas da ex-namorada, depois de beber o suficiente para soltar a lĂngua. Aqui temos entĂŁo um exemplo atĂpico de pĂłs-folk cĂnica, mitra, e áspera. Mesmo assim, a redenção do álbum acaba por ser simulada no momento-chave “The First Big Weekend”, que descreve as mil viagens de um conjunto de amigos entesoados pelo furor do verĂŁo. A fuga de Falkirk tinha sido finalmente alcançada, ou entĂŁo esta rapaziada nunca abandonou realmente o sofá de todas as alucinações provocadas por muita droga. A segunda hipĂłtese Ă© mais provável. Seja como for, “The First Big Weekend”, altamente rodado pelos senhores da rádio John Peel e Steve Lamacq, tornou-se rapidamente num single indie de sucesso e a prova de que a tristeza peculiar dos Arab Strap podia tambĂ©m ser dançável.
Por sorte, todo esse entusiasmo em torno dos Arab Strap coincidiu com um perĂodo de enorme optimismo para a Matador, a super label independente, que começava a apostar fortemente (um bocado Ă parva atĂ©) no licenciamento de discos estrangeiros para distribuição em territĂłrio americano. A Matador, que, depois de colmatar o vazio pĂłs-grunge, com excelentes discos de Pavement e Yo La Tengo, mereceu, com toda a legitimidade, o tĂtulo de “escola de gosto” para uma nova geração de ávidos. Por conseguinte, a inclusĂŁo de Arab Strap, no catálogo da Matador, em 1998, reforçava aquilo que parecia ser uma nova “escola de desgosto”, entretanto encetada por Cat Power, ainda hoje uma das principais figuras da casa. Philophobia surgia inserido nessa vaga do “desgosto” e ainda hoje impõe respeito com uma sequĂŞncia inicial de cinco mĂşsicas tristes para acabar com todas as outras: “Packs of Three”, “Soaps”, “Here We Go”, “New Birds” e “One Day, After School”. Todas elas mereciam um destaque, mas, quando o tĂłpico Ă© a tristeza, torna-se obrigatĂłrio frisar o ĂłrgĂŁo do colaborador David Gow (hoje membro dos Sons & Daughters), na crucial “One day, after school” – isto porque nunca dois acordes de ĂłrgĂŁo, repetidos durante cinco minutos, terĂŁo dito tanto sobre como um romance escolar pode muito facilmente acabar em desprezo puro (ainda mais flagrante quando ele a encontra com as mĂŁos dentro das calças "doutro chaval”). NĂŁo Ă© fácil.
As reedições duplas, recentemente lançadas pela Chemikal Underground, vĂŞm promover algumas novas perspectivas sobre a triste lenda dos Arab Strap. O artwork retocado de Philophobia revela, por exemplo, como um umbigo inĂştil e dois corpos nus (Aidan Moffat e a namorada de entĂŁo), de costas voltadas um para o outro, podem funcionar como representação visual de um disco que Ă© tambĂ©m um enunciado de incompatibilidades entre amantes. Os discos extra, por sua vez, indicam que o contexto de concerto representava, para o duo, uma plataforma ideal para expandir as canções gravadas em estĂşdio. Indo ao encontro dos fĂŁs, The Week Never Starts Round Here surge acompanhado pelo primeiro concerto dos Arab Strap, decorrido no King Tut’s, em Glasgow. O que escutamos por aqui sĂŁo versões mais extrovertidas, ainda que naturalmente atrapalhadas, de temas que, em estĂşdio, eram registados como sussurros. A situação nĂŁo muda muito com o segundo disco de Philophobia, cujo valor reside sobretudo na rĂ©dea solta concedida Ă s guitarras. Malcolm Middleton era, afinal, um shoegazer de armário e “Girls of Summer” um valente tema de space rock por acontecer. IncrĂvel, diga-se.
No fundo, o que distingue Arab Strap de tantas outras bandas Ă© comparável ao que separa a verdadeira pornografia amadora da sua congĂ©nere profissional: a primeira Ă© espontânea em vez de encenada, alĂ©m de sempre exposta a um risco emocional que nĂŁo existe, pura e simplesmente, na grande indĂşstria. A partir daqui, os Arab Strap viriam a encarregar-se de discos de qualidade variável (The Red Thread Ă© desequilibradinho), mas nunca mais voltariam a estar tĂŁo perto de conceder regalias voyeurĂsticas como as de The Week Never Starts Round Here e Philophobia. Podemos sempre alegar que Elephant Shoe Ă© igualmente detalhado, mas nĂŁo deixa de ser um disco mais espairecido. Os trĂŞs formam um possĂvel cânone de autenticidade in your face - difĂcil de ser reproduzido e cada vez mais raro nas bandas de hoje. Autenticidade essa que permanece sempre sujeita a tornar-se intemporal e que, por agora, deve contentar-se com um culto duro de roer. Um culto que sabe bem que as melhores canções de abandono nunca devem ser deixadas ao abandono.
Miguel ArsénioOs Arab Strap não podiam ser mais francos nas canções que descobrem entre as cinzas da euforia. Apesar de por vezes vago, na enumeração das lendas urbanas de Falkirk, The Week Never Starts Round Here consegue também ser directo (e duro) na inquisição às mulheres que o preenchem – o que até não é de estranhar, num disco supostamente inspirado pela generosidade de uma empregada de bar, de nome Gina, que andou com Aidan e Malcolm ao mesmo tempo. Uma situação que seria desastrosa, na maioria dos casos, acabou também por consolidar o pacto Arab Strap, ao ponto da identidade musical do duo parecer partir de um só homem.
E assistir ao desenrolar dessa união é, para quem gosta a sério de Arab Strap, um prazer sem preço – convenhamos que existe algo de muito bonito na relação de dois amigos, que, depois de muitos copos e episódios partilhados, passam a completar as frases um do outro. Arab Strap vive também desse entendimento, em que a voz de Aidan Moffat é o que falta às instrumentações de Malcolm Middleton, e vice-versa (talvez por isso as carreiras a solo de ambos nunca tenham descolado). O que distingue então os Arab Strap de tantas outras bandas britânicas? Pois bem, Aidan Moffat não canta, mas também não fala – exercita, como só ele sabe, um inimitável sotaque escocês, que atribui subtexto e caule aos episódios, sem nunca resvalar para o vazio da declamação Abrunhosa. Além disso, os primeiros discos beneficiam também do perfeito estado de graça do multi-instrumentista Malcolm Middleton. Ele que, por esta altura, parecia não saber como falhar nas guitarras escolhidas para dar vida a cada sentimento da extensa neura Arab Strap: fosse o ciúme e a paranóia, a lamúria de bêbado, em “Wasting”, ou todas as cores que a angústia tem.
NĂŁo sendo fácil encontrar uma catalogação para o cĂłdigo musical dos Arab Strap, que envolve tambĂ©m caixas de ritmos, teclas e violoncelos, há que aproveitar estes momentos para dar alguma utilidade aos termos pĂłs-folk e pĂłs-rock. Evocar o primeiro explica como The Week… distorce a folk atĂ© anular por completo o seu aspecto idĂlico (de origem), já o pĂłs-rock indicará que os Arab Strap preferem muitas vezes ser guiados pelos instrumentos (e narrativas) e nem tanto pelos rigores da canção. Ao conceder alma prĂłpria Ă s guitarras, em Philophobia sobretudo, Malcolm Middleton salva os Arab Strap da prisĂŁo verso-refrĂŁo-verso e alcança, muito naturalmente, canções maiores como “New Birds” e “My Favourite Muse”. Com isto, Middleton antecipava tambĂ©m um pouco daquilo que viria a ser, um ano depois, Come on die young, dos vizinhos escoceses Mogwai: um disco retido em casa para introspecção atravĂ©s das guitarras. Facilmente enquadráveis na camaradagem, que une as duas bandas (Aidan Moffat emprestou a sua voz a alguns temas de Mogwai), Philophobia e Come on die young aproximam-se tambĂ©m por serem discos de contenção, que cedem apenas num Ăşnico momento de apoteose: “New Birds”, no caso do primeiro, e “Christmas Steps”, no segundo. Ambos sĂŁo temas obrigatĂłrios.
A culpa de tanto sentir seria provavelmente dos dias vividos na EscĂłcia. Respectivamente lançados em 1996 e 1998, The Week Never Starts Round Here e Philophobia colhem o desalento e as incertezas instaladas com dois acontecimentos da primeira metade dessa dĂ©cada: a decadĂŞncia da cultura rave, no Reino Unido, e o tiro de caçadeira que encerra um ciclo em que o rock parecia sĂŞ-lo de novo. Como seria de esperar, a implosĂŁo de todo o frenesim rave gerou silĂŞncio e sobriedade, e muito tempo para pensar em merdas. Os tĂtulos de “Coming Down” e (a pancada forte de) “The Clearing”, as duas primeiras faixas do disco de estreia, indicam precisamente que aquele era o tempo de “cair na real”. AlĂ©m disso, e olhando de perto para a EscĂłcia, os lamentos suburbanos dos primeiros Arab Strap nĂŁo diferem muito daqueles que, alguns anos antes, dominavam as conversas entre os “agarrados” de Trainspotting. A depressĂŁo e a fraca auto-estima escocesas encontram-se escancaradas na lĂrica ruminante dos primeiros Arab Strap, assim como no monĂłlogo inicial de Trainspotting, que cedo leva a sua diatribe por estas palavras: NĂŁo tenho chavala, hoje nĂŁo fodo; tenho chavala, Ă© chata com'Ăł raio. Ralamo-nos com contas, com comprar comida, com a equipa de futebol que nunca ganha(…). As frases podiam ser do prĂłprio Aidan Moffat.
SĂŁo apenas trinta quilĂłmetros aqueles que separam Falkirk de Edimburgo, a metrĂłpole de Trainspotting, mas The Week Never Starts Round Here faz crer que a morada dos Arab Strap fica a galáxias de qualquer parte minimamente interessante no mundo. Trata-se portanto de um manifesto de profundo desprezo e alienação apontado a uma cidade que nunca chegará a ter a relevância de Glasgow ou Edimburgo. E, quando nĂŁo há muito para fazer num ermo, alĂ©m de foder a cabeça e tambĂ©m quem vai aparecendo, as motivações viram-se para modalidades como “o beber atĂ© cair” ou “o vamos pregar partidas”. Ao absorver essas duas tendĂŞncias, The Week Never Starts Round Here resulta num conjunto de canções perturbadas, que um desgraçado deixaria no gravador de chamadas da ex-namorada, depois de beber o suficiente para soltar a lĂngua. Aqui temos entĂŁo um exemplo atĂpico de pĂłs-folk cĂnica, mitra, e áspera. Mesmo assim, a redenção do álbum acaba por ser simulada no momento-chave “The First Big Weekend”, que descreve as mil viagens de um conjunto de amigos entesoados pelo furor do verĂŁo. A fuga de Falkirk tinha sido finalmente alcançada, ou entĂŁo esta rapaziada nunca abandonou realmente o sofá de todas as alucinações provocadas por muita droga. A segunda hipĂłtese Ă© mais provável. Seja como for, “The First Big Weekend”, altamente rodado pelos senhores da rádio John Peel e Steve Lamacq, tornou-se rapidamente num single indie de sucesso e a prova de que a tristeza peculiar dos Arab Strap podia tambĂ©m ser dançável.
Por sorte, todo esse entusiasmo em torno dos Arab Strap coincidiu com um perĂodo de enorme optimismo para a Matador, a super label independente, que começava a apostar fortemente (um bocado Ă parva atĂ©) no licenciamento de discos estrangeiros para distribuição em territĂłrio americano. A Matador, que, depois de colmatar o vazio pĂłs-grunge, com excelentes discos de Pavement e Yo La Tengo, mereceu, com toda a legitimidade, o tĂtulo de “escola de gosto” para uma nova geração de ávidos. Por conseguinte, a inclusĂŁo de Arab Strap, no catálogo da Matador, em 1998, reforçava aquilo que parecia ser uma nova “escola de desgosto”, entretanto encetada por Cat Power, ainda hoje uma das principais figuras da casa. Philophobia surgia inserido nessa vaga do “desgosto” e ainda hoje impõe respeito com uma sequĂŞncia inicial de cinco mĂşsicas tristes para acabar com todas as outras: “Packs of Three”, “Soaps”, “Here We Go”, “New Birds” e “One Day, After School”. Todas elas mereciam um destaque, mas, quando o tĂłpico Ă© a tristeza, torna-se obrigatĂłrio frisar o ĂłrgĂŁo do colaborador David Gow (hoje membro dos Sons & Daughters), na crucial “One day, after school” – isto porque nunca dois acordes de ĂłrgĂŁo, repetidos durante cinco minutos, terĂŁo dito tanto sobre como um romance escolar pode muito facilmente acabar em desprezo puro (ainda mais flagrante quando ele a encontra com as mĂŁos dentro das calças "doutro chaval”). NĂŁo Ă© fácil.
As reedições duplas, recentemente lançadas pela Chemikal Underground, vĂŞm promover algumas novas perspectivas sobre a triste lenda dos Arab Strap. O artwork retocado de Philophobia revela, por exemplo, como um umbigo inĂştil e dois corpos nus (Aidan Moffat e a namorada de entĂŁo), de costas voltadas um para o outro, podem funcionar como representação visual de um disco que Ă© tambĂ©m um enunciado de incompatibilidades entre amantes. Os discos extra, por sua vez, indicam que o contexto de concerto representava, para o duo, uma plataforma ideal para expandir as canções gravadas em estĂşdio. Indo ao encontro dos fĂŁs, The Week Never Starts Round Here surge acompanhado pelo primeiro concerto dos Arab Strap, decorrido no King Tut’s, em Glasgow. O que escutamos por aqui sĂŁo versões mais extrovertidas, ainda que naturalmente atrapalhadas, de temas que, em estĂşdio, eram registados como sussurros. A situação nĂŁo muda muito com o segundo disco de Philophobia, cujo valor reside sobretudo na rĂ©dea solta concedida Ă s guitarras. Malcolm Middleton era, afinal, um shoegazer de armário e “Girls of Summer” um valente tema de space rock por acontecer. IncrĂvel, diga-se.
No fundo, o que distingue Arab Strap de tantas outras bandas Ă© comparável ao que separa a verdadeira pornografia amadora da sua congĂ©nere profissional: a primeira Ă© espontânea em vez de encenada, alĂ©m de sempre exposta a um risco emocional que nĂŁo existe, pura e simplesmente, na grande indĂşstria. A partir daqui, os Arab Strap viriam a encarregar-se de discos de qualidade variável (The Red Thread Ă© desequilibradinho), mas nunca mais voltariam a estar tĂŁo perto de conceder regalias voyeurĂsticas como as de The Week Never Starts Round Here e Philophobia. Podemos sempre alegar que Elephant Shoe Ă© igualmente detalhado, mas nĂŁo deixa de ser um disco mais espairecido. Os trĂŞs formam um possĂvel cânone de autenticidade in your face - difĂcil de ser reproduzido e cada vez mais raro nas bandas de hoje. Autenticidade essa que permanece sempre sujeita a tornar-se intemporal e que, por agora, deve contentar-se com um culto duro de roer. Um culto que sabe bem que as melhores canções de abandono nunca devem ser deixadas ao abandono.
migarsenio@yahoo.com
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