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zeitkratzer
[Old School] John Cage / [Old School] James Tenney
· 14 Abr 2010 · 12:18 ·
zeitkratzer
[Old School] John Cage / [Old School] James Tenney
2010
zeitkratzer


Sítios oficiais:
- zeitkratzer
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[Old School] John Cage / [Old School] James Tenney
2010
zeitkratzer


Sítios oficiais:
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Brincando aos clássicos.
zeitkratzer (assim mesmo, só minúsculas) é uma pequena orquestra europeia dedicada à música contemporânea no seu sentido mais lato. Fundado em 1999, por Reinhold Friedl (um original pianista ou “explorador do interior do piano”), este ensemble já trabalhou composições de autores tão díspares como Karlheinz Stockhausen, Carsten Nicolai, Keiji Haino, Jim O’Rourke, Arnold Schönberg, La Monte Young, Merzbow, Terre Thaemlitz, Iannis Xenakis ou Alvin Lucier. Ou seja, a sua noção de música inclui o “avantgarde”, mas também electrónica e até formatos pop. Trabalham ainda material original, mas do seu catálogo destaca-se, entre outras gravações, a interpretação da obra-prima esquecida de Lou Reed, Metal Machine Music (2007).

O grupo acaba agora de lançar uma nova série, dedicada a compositores “clássicos” (no âmbito contemporâneo, claro), denominada Old School, cujos dois primeiros discos são focados nos americanos John Cage e James Tenney. O disco de Cage abarca três das suas obras do seu período final (compostas em 1986, 1988 e 1992). Já o disco de Tenney inclui selecções um pouco mais antigas (1971, 1977 e 1988). Em ambos os casos, trata-se de uma música amadurecida, longe das experiências dos primeiros anos, com uma noção de contemporaneidade mais que assumida, já quase a alcançar a consciência da pós-modernidade.

Em ambos os casos, a música anda à volta de drones. Ouçamos Tenney: o som é trabalhado de forma contínua, os instrumentos perdem a sua individualidade para se fundirem num fluxo sonoro permanente que vai sofrendo pequenas variações. É uma sonoridade quase estática, que vive da concentração instrumental, da contenção e rigor de cada intervenção dos músicos do ensemble. E depois o som vai crescendo quase secretamente, sem nunca se impor demasiado. É a primeira faixa, “Critical Band”, e a história repete-se nas duas faixas seguintes, com pequenas variantes, com os instrumentos mais ou menos assumidos (na segunda faixa é o piano que se sobressai), com mais ou menos volume - no última tema o ambiente anda próximo de um falso silêncio fantasmagórico.

Nas peças de Cage a música segue algumas semelhanças, mas tem como principal diferença o facto do fluxo sonoro ser descontinuado, resultando uma massa sonora mais mutante, que acaba por se transformar num processo circular, assente na ideia da repetição (mas em cada volta uma viagem ligeiramente diferente), sempre à sombra da discrição. Assim é o primeiro tema “Four6” e o curto “Five” (apenas cinco minutos) mantém as premissas. A terceira composição, “Hymnkus”, acaba por ser a mais imprevisível, marcada por uma constante dissonância, pelo confronto sonoro resultante da participação de diversos instrumentos que complementam o drone sempre presente. No entanto, pela repetição de processos acaba por resultar em familiaridade, os elementos vão-se encontrado num natural encadeamento, numa entrelaçada musicalidade.

O disco de Tenney tem na capa uma laranja, o disco de Cage tem na capa um kiwi. Mas a música contida nestas duas rodelas terá hoje em dia pouca acidez. Longe vão os tempos em que a criação musical de vanguarda teria de ser naturalmente associada a um pensamento radicalista. Esta música é nos dias de hoje (numa altura em que até o noise já penetrou nas franjas da pop) - criativamente doce e fresca, e permite-nos confirmar dois factos: a originalidade dos compositores (nunca é demais reafirmar) e precisão da interpretações deste grupo zeitkratzer (estes rapazes sabem onde se metem). A velha escola é a nova escola.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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