DISCOS
Oh No
Dr. No´s Ethiopium
· 01 Abr 2010 · 09:57 ·
Oh No
Dr. No´s Ethiopium
2009
Stones Throw / Flur


Sítios oficiais:
- Oh No
- Stones Throw
- Flur
Oh No
Dr. No´s Ethiopium
2009
Stones Throw / Flur


Sítios oficiais:
- Oh No
- Stones Throw
- Flur
De martelo em punho, o irmão mais novo de Madlib parte numa arqueologia da prateada estrumeira da Etiópia nos anos 60 e 70.
Numa era em que a música é produzida por atacado e consumida às cegas por um público que a recebe na bandeja platinada das castradoras rádios, é quase um acto terrorista fazer discos como Dr. No’s Ethiopium. Como as bombas que explodem diariamente nas ruas de Bagdad, o quarto disco de Oh No é um estilhaço na cara de uma multidão mole e indiferenciada que julga agigantar-se quando, na realidade, perde mais e mais referências e latitudes.

Partir de samples colhidos na imensa, rara e gloriosa tralha do funk e da folk, do jazz e da soul e ainda do rock psicadélico da Etiópia nos 60s e 70s e, nessa aparente estrumeira musical, dar um toque de Midas é, como se compreende, obra de loucos. Mas, em terra de insanos pigarreantes, quem tem olho e ouvido é produtor e faz dos detritos coração. Mesmo que alinhar estas 36 faixas seja o equivalente musical a besuntar de baton os lábios de um porco - ou seja, um exercício próximo da inutilidade para a mole bem pensante.

A cadência de recortes como “Adventure”, “Ox Therapy” ou “The Pain” escorre como manteiga derretida ao sol da Califórnia, estado norte-americano que em boa hora pariu Oh No (o nome verdadeiro é mesmo Michael Jackson), irmão mais novo do profeta do hip-hop Madlib, filho de Otis Jackson - e, já que estamos no embalo, ele é também sobrinho do trompetista de jazz Jon Faddis. Não deve, no entanto, ser negligenciado o efeito dos raios ultravioletas de Adis Abeba, a capital de uma das mais antigas nações do mundo.

Oh No parte pedra nos arquivos sonoros da Etiópia como antes fez, qual arqueólogo do beat, no cruzamento do eixo turco-libanês com o eixo greco-italiano, em Dr. No's Oxperiment de 2007. O selo volta a ser da Stones Throw, que editou à vontade alguns dos melhores discos em anos recentes – só no ano passado, vimos Dâm-Funk e Mayer Hawthorne saírem pela editora de LA, além deste último do produtor californiano.

Os momentos mais felizes de Dr. No’s Ethiopium são aqueles em que Oh No consegue injectar apontamentos de produção (um beat, um loop, uma vírgula de estilo) e manter quase virgem a traça do original. Ora, isso acontece várias vezes ao longo do disco. E, mais do que nunca, desaconselha-se a audição fragmentada da rodela ou a experiência corre o risco sério de se assemelhar à sintonia de um transístor num serão quente da província etíope. (Pensando bem, está a valer ouvir esta coisa de forma salteada uma ou outra vez, só pelo gozo da viagem.)
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com
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