DISCOS
Joe McPhee
Angels, Devils & Haints
· 07 Dez 2009 · 13:03 ·
Joe McPhee
Angels, Devils & Haints
2009
CJR
Joe McPhee
Angels, Devils & Haints
2009
CJR
Magnífica homenagem à música de Albert Ayler por uma das figuras maiores do jazz contemporâneo.
Em Junho deste ano Joe McPhee apresentou-se para um concerto a solo no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra. A atmosfera do local, aliada à selecção dos temas e, principalmente, à inspiração do músico, envolveram o concerto num manto de religiosidade, transformando-se num dos eventos musicais mais marcantes a que já tivemos oportunidade de assistir - como confirmou o Bruno. Concentrado no saxofone alto (ocasião rara na sua longa carreira), o veterano McPhee abordou composições originais, alheias, espirituais negros e até homenageou Ornette Coleman.

Neste disco duplo “Angels, Devils & Haints” o multi-instrumentista Joe McPhee homenageia outro dos saxofonistas revolucionários dos 60s, o grande Albert Ayler. Neste projecto McPhee tem a companhia de quatro contrabaixistas - Michael Bisio, Dominic Duval, Paul Rogers e Claude Tchamitian - e no entanto este disco quase parece um solo, uma vez que os contrabaixistas ficam remetidos para um segundo plano. Com o aglomerado de contrabaixos - explorando diversas combinações, entre o pizzicato e o arco – a funcionar no background, a iniciativa parte sempre de McPhee, que conduz a música em longas improvisações, a maior parte das vezes por meio do fraseado inteligente dos saxofones tenor e alto. McPhee também se serve aqui do trompete de bolso, instrumento do qual é um habilidoso executante – terá sido nessa qualidade que Peter Brötzmann o terá convidado para o seu Chicago Tentet.

Este álbum, que resulta de gravações de concertos em França (Le Mans e Nantes), não inclui composições de Ayler, mas do alinhamento constam temas que o influente saxofonista tomou como seus - “Goin' Home”, “Ol' Man River” são quase hinos que imediatamente associamos ao malogrado saxofonista. O primeiro disco é constituído por uma longa improvisação de quase uma hora (título homónimo do disco), fechando depois com uma interpretação focada da emotiva “Goin' Home”. O segundo disco abre com “Ol' Man River” (dez intensos minutos), segue-se um original de McPhee de quase meia hora (“Angels and Other Aliens”) e o disco encerra com uma homenagem ao irmão de Albert, Don Ayler - “The Gift”.

Numa altura em que Ayler não sai de moda – os últimos anos assistiram à edição da preciosa caixa “Holy Ghost”, ao belíssimo filme “My Name Is Albert Ayler” e ao grupo-homenagem Healing Force (de Vinny Golia, Henry Kaiser e Joe Morris, entre outros) – esta homenagem de McPhee mantém toda a validade. Joe McPhee é um dos mais brilhantes músicos do jazz contemporâneo e neste trabalho não se limita a fazer uma revisão actualizada, cria um documento de música original inspirada por Ayler. O espírito de Albert Ayler assombra (positivamente) esta música que não fica a olhar para o passado, que se aventura na complexidade harmónica da improvisação contemporânea não-canónica. Rebelde, como Ayler sempre foi.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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