Junta-se a fome de tortura à vontade de abrir feridas e nasce assim o super-trio Former Ghosts, que alia dois miseráveis incuráveis - Freddy Ruppert e Jamie Stewart- e um terceiro elemento feminino mais ou menos incógnito, Nika Roza, a Senhora Zola Jesus. Depois, o perfil neurótico dos envolvidos explica parte do desencanto que ensombra Fleurs: Freddy Ruppert conduziu o acidente pop This Song is a Mess but So Am I como terapia para a sua relação próxima com a morte (da mãe); Jamie Stewart vive entregue a uma demanda chamada Xiu Xiu, dedicada ao sexo e à família, sem deixar também de equacionar a morte como tema.

Ambos são conhecidos pelas fracturas e temperamento que exibem, sem pudor, em palco. A partir de agora, os currículos incluirão também um disco geralmente incapaz de descobrir canções na revisão assumida do pós-punk de contornos góticos, que entristecia a juventude na primeira metade da década de 80. A chamada inclui naturalmente uma variedade impressionante de sintetizadores e outros tantos anos de reverb, mas nada disso chega para apaziguar a falta de substância.

Jamie Stewart ansiava certamente meter as mãos num disco tão negro e desesperado, na sua aproximação ao pós-punk das cidades industriais britânicas. Quando questionado sobre a música que o influenciou, Jamie Stewart não esconde a adoração pelos Joy Division e nem sequer procura nomear temas favoritos improváveis (tal como muitos, prefere “Love Will Tear Us Apart”). Em conformidade, Fleurs não faz muito por camuflar a sua natureza derivativa, chegando mesmo a parecer ingénuo no aproveitamento que faz dos ensinamentos requisitados ao pós-punk. Podíamos apontar aleatoriamente o dedo no sentido de uma banda referida em Rip It Up and Start Again, o tomo de Simon Reynolds que revisita o género, e o mais certo é que o cunho dessa marque de alguma forma Fleurs.

Não deixa de ser admirável o sacrifício. Ninguém chega a um disco assim sem a quantidade certa de sábados perdidos em casa. A synth-pop procura fazer de Fleurs um triste espectáculo, mas as canções permanecem impotentes, baças e, certas vezes, patéticas (qualidade secreta de This Song is a Mess but So Am I e Xiu Xiu que não funciona neste caso). É estranho que a intensidade habitual de Jamie Stewart seja relegada para um segundo plano, quando se percebe que a melhor canção do disco, “The Bull and the Ram”, pertence à garganta funda de Nika Roza. É da sua autoria o recente disco de estreia The Spoils, assinado com o nome de Zola Jesus. O melhor pode até ser apontar baterias nesse sentido, porque Fleurs é realmente o prato chinês que ninguém quer comer.