DISCOS
Deerhunter
Microcastle
· 21 Jan 2009 · 10:25 ·
Deerhunter
Microcastle
2008
Kranky / 4AD / Popstock


Sítios oficiais:
- Deerhunter
- Kranky
- 4AD
- Popstock
Deerhunter
Microcastle
2008
Kranky / 4AD / Popstock


Sítios oficiais:
- Deerhunter
- Kranky
- 4AD
- Popstock
Deixando de lado as inclinações arty/shoegazing sonolento, quinteto da Georgia vira-se para a sua cidade e descobre um herói em Peter Buck.
Dividindo as massas indie entre a devoção fervorosa, suportada por publicações como a Pitchfork e a indiferença generalizada da velha guarda college rock e experimentalistas intransigentes, o extremamente activo Bradford Cox chega agora ao terceiro álbum dos "seus" Deerhunter sem que os focos luminosos incidam sobre ele de forma tão incisiva como seria de esperar. Depois de um álbum a solo escondido atrás do pseudónimo Atlas Sound ter gerado um burburinho algo inexplicável devido a uma exaltação crítica algo desmesurada perante um objecto cuja maior virtude era a sua "aparente" transparência, Microcastle era aguardado com um entusiasmo de dimensões muito maiores do que as que poderia suportar. De um lado os incorrigíveis detractores que esperavam o fiasco que sempre disseram profetizar e do outro, admiradores receosos com as repercussões que a entrada de Whitney Petty poderia ter na metodologia de uma banda (até agora) entregue aos devaneios do seu gigante. Embora prometedora, a safra reservava ainda demasiada parra para tão pouca uva.

O embuste funcional de Cryptograms bem pode ter disfarçado as lacunas de composição através do uso abusivo do delay e do reverb, mas as armadilhas onde se espalharam ao comprido tantos shoegazers desde que Loveless atirou com todos os peixinhos para fora de água, tinham as suas coordenadas bem delineadas num mapa onde coabitavam forçosamente inclinações art-punk e um gosto requintado pelo experimentalismo blasé. Se o selo Kranky confere à partida alguma dignidade a qualquer lançamento que o empregue, a verdade é que a cama onde se deitam os Deerhunter parecia ainda demasiado frágil para que Microcastle fosse esperado sem desconfiança.

Deixando de lado os desnecessários interlúdios ambient e o pastiche dream pop via estranheza pós-milenar, Microcastle dá espaço às canções para respirarem, acercando-se de uma estranha familiaridade como se sempre tivesse habitado no cérebro enterrado por entre memórias daqueles primeiros discos que chamamos de alternativos. Este enfoque na composição por oposição a um cuidado excessivo prestado às dinâmicas em torno de uma ideia, sustêm cada canção no seu fôlego individualizado. Mesmo no caso de miniaturas como a abertura cristalina de "Cover Me (Slowly)", que deixa resvalar para "Agoraphobia" uma linha melódica que não destoaria em The Sophtware Slump. Tudo isto captado numa lente enevoada que poderia ter sido o olho de Kramer quando produziu On Fire, atirando o som da banda para a tal reminiscência do psicadelismo crepuscular dos anos 60 que Bradford Cox tanto enfatizou em entrevistas como tendo presidido à composição do álbum. Não sendo essa afirmação assim tão contundente com a realidade, esse imaginário não deixa de habitar os sonhos de Microcastle, numa linhagem que levará ao fulgor épico dos Mercury Rev ou Flaming Lips pré-sonambulismo. Tal como nestes, procede-se a uma certa conceptualização do álbum, enredando-o em andamentos conformes à estrutura das próprias músicas como a "suite" em ponto pequeno constituída por "Calvary Scars", "Green Jacket" e "Activa", frágil nas suas melodias à beira da desintegração. A conclusão óbvia é que ainda hoje se aprende, e muito, com Abbey Road. Naturalmente, toda esta diligência contribui para um disco extremamente equilibrado, sem receio de desdenhar alguns inevitáveis desvios felizes como o rock muito roll de "Saved By Old Times" para movimento mais lascivo e final a pedir uma rapariga de pandeireta em punho e sorriso alienado ou "Little Kids" a evocar a depuração slacker dos Pavement em Terror Twilight.

"Nothing Ever Happened" é o óbvio single para passagem obrigatória em qualquer festa indie, com o fade out na entrada do solo a trazer o suspiro nostálgico pelas gloriosas Caldas da Rainha dos anos 90. Enfatizando essa mesma noção de familiaridade transversal (daí as diversas referências, devidamente alinhavadas) "Twilight At Carbon Lake" pega numa melodia que poderia ser retirada de um exercício do mítico livro Guitarra Mágica para servir de banda sonora à dança de reconciliação de Seth Cohen e Summer Roberts. Apesar da envolvência imediata poder conduzir a uma dormência precoce, a dinâmica conseguida pela diversidade de vozes, evitando habilmente o enxerto incoerente, reservam-lhe mais algum tempo de vida do que o esperado. Tal como as férias em família acabam inevitavelmente por descambar em discussão , também Microcastle terá de se resignar ao álbum de fotografias visitado muito esporadicamente, para não se enfastiar. O encanto permanece. E mesmo que não se descortine no quinteto norte-americana o poder anfetamínico para revitalizar uma pop feita de sonhos e guitarras cristalinas à beira da bradicardia, mereciam muito melhor sorte do que ter sido a banda de abertura dos cadavéricos Nince Inch Nails.
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
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