DISCOS
Luomo
Convivial
· 05 Dez 2008 · 16:28 ·
Luomo
Convivial
2008
Huume / Flur


Sítios oficiais:
- Luomo
- Huume
- Flur
Luomo
Convivial
2008
Huume / Flur


Sítios oficiais:
- Luomo
- Huume
- Flur
Electrónica de anseio circa 2008 atesta Sasu Rippati como produtor sempre capaz de se superar, mesmo quando funde o seu house com um rol de vozes excepcionalmente ecléctico.
Sem ser esse o caso, Convivial dispunha de um álibi válido na eventualidade de fracassar como mais-valia no conjunto das produções assinadas pelo finlandês Sasu Ripatti, aqui surgido enquanto Luomo, faceta que explora em paralelo a outras tantas, incluindo Vladislav Delay (em registo mais intricado) e Uusitalo. Isto porque a prioridade de Convivial não passa tanto por reformular o microhouse de Luomo, mas sim por garantir que esta seja a mais absorvente experiência emocional ao alcance de um disco que casa vozes com electrónica fixada sobre os sentidos como um orgasmatron. Isto sem deixar de ser propício à dança (recorrendo à mandante batida 4/4) e evitando a custo o buraco de sentimentalismo em que podia ficar aprisionado. Ainda assim, não será justo reduzir à “dança” os objectivos de um disco capaz de fazer trepar paredes: não olhando a fronteiras quando combina soul branca com tecno entabulado sem opção para retrocesso. Por efeito de não se centrar num só estilo, uma das hipóteses seria designar Convivial como representante lógico e actual da electrónica de anseio.

Há muito a dizer sobre a electrónica de anseio, um estado de espírito e nem tanto um género, mesmo que qualquer sumário pareça inconclusivo (por avaliar um fluxo em aberto, ainda que muito concentrado na Europa). Existem porém alguns exemplos que representam bem a tradição: desde os primórdios Soft Cell, Depeche Mode e OMD até ao despoletar do trip-hop de Bristol (clássicos como “All Mine” dos Portishead ou “Unfinished Sympathy” dos Massive Attack), marcando passo nos Everything But the Girl, Sneaker Pimps (com a auto-destruição à espreita), Gus Gus (à boleia da febre glaciar islandesa), na nostálgica “Say Goodbye” gravada por Khan com Julee Cruise e no passado recente de Burial (“Archangel” era uma preze fragilizada pela ansiedade). Todos expressaram, em determinada altura, carência física ou angústia aliando electrónica a vozes geralmente suplicantes. Grande parte dos nomes fizeram escola.

Ultimamente, o próprio Kanye West, tonto encurralado na sua própria megalomania, tentou, com o ultra-pastelão 808s & Heartbreak, convencer o mundo de que bastaria ressuscitar todos os minimalismos plásticos das baladas de 1984 para fazer singrar a desolação romântica própria de quem ganhou teias de aranha desde a última vez que molhou o bico (não sendo certamente essa a situação do desertor universitário). O disco é um glorioso fracasso que merece ser aplaudido nem que seja pelo arrojo anacrónico e por confirmar a admiração pelos Daft Punk (os mais subversivos manipuladores de minimalismo que o mundo conhece).

Por sua vez, Convivial, o quarto disco de Luomo, conta com todas as vantagens de ser um disco astrologicamente certo: aproveita ao máximo a sorte do convívio como oportunidade para formar tocantes canções de pertença protagonizadas por duas pessoas de outra forma distantes. Recorrendo a processamentos dubby e a uma progressão rítmica tão imparável quanto suave, repare-se em como este Ripatti não se acanha de alongar durante vários minutos (8,7,7,6…) a intimidade obtida a dois pólos (a três, em “Nothing Goes Away”). O que até não surpreende, quando é sabido, desde o marco “Tessio”, que a elasticidade de Luomo residia muito naturalmente acima da marca dos 7 minutos. Elaborado com um calculismo e aproveitamento de espaços vazios, que faltaram ao anterior Paper Tigers , Convivial é duradouro quanto as mais fortes relações.

Depois, sucedem-se milagres de dimensão variável: a vertigem graciosa instalada pela voz de Sascha Ring (tcp Apparat) adequa-se perfeitamente à deslumbrante “Love You All” , escutar Jake Sears, o irritante excêntrico dos Scissor Sisters, passa a ser suportável quando o seu flow encaixa impecavelmente no kick pilar de “If I Can’t”, Johanna Livanainen intervém em vários momentos que a colocam bem no alto como musa reincidente de um Luomo que a transforma nos The Knife (em “Slow Dying Places”) e depois em Roisin Murphy (“Sleep Tonight”), sem demonstrar qualquer discrepância. Não há sapato que fique folgado em relação ao pé que o calça. À luz do anseio, Convivial afirma Luomo como padroeiro a ter em elevada conta no emparelhamento de vozes e passadeiras digitais tecidas com uma classe desigual. As nossas frequências emocionais coincidirão como uma só.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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