DISCOS
Ryoji Ikeda
Test Pattern
· 07 Out 2008 · 09:22 ·
Ryoji Ikeda
Test Pattern
2008
Raster-Noton


Sítios oficiais:
- Ryoji Ikeda
- Raster-Noton
Ryoji Ikeda
Test Pattern
2008
Raster-Noton


Sítios oficiais:
- Ryoji Ikeda
- Raster-Noton
Um erro sem Ryoji Ikeda seria uma vida desperdiçada.
Friedrich Nietzsche disse que sem música a vida seria um erro. Fosse necessário repensar essa afirmação à sombra do nome e trabalho de Ryoji Ikeda, e surgiriam certamente mais perguntas do que respostas: que esperança de vida tem a música fundada no erro? Pode residir no erro a vitalidade da música? O erro é obrigatoriamente terminal ou pode, em vez disso, ser o meio para alcançar um fim? Test Pattern, segundo disco inserido no projecto Datamatics, pode até ser a forma mais extensiva e intricada que o provocador esteta japonês encontrou para indicar que o sistema binário, enquanto raiz de toda a criação digital, enfrenta severo esgotamento assim que consome as suas possibilidades. O mesmo esgotamento é constatável no alinhamento de todas combinações possíveis de “0” e “1” nos quatro dígitos incluídos em cada uma das 16 faixas de Test Pattern. Mergulhando mais fundo no disco, percebe-se que Ikeda, submetendo sons puros a todo o tipo de manipulações (oscilações de frequência, tom e posição no esquema estéreo), solicita o erro digital como recurso evasivo para a estagnação do sistema binário. Test Pattern revela-se tão elaborado e efervescente nessa exaltação do erro que, no fim, os ouvidos encontram-se tão educados quanto doridos por efeito do convívio prolongado com este mind fuck digital.

É sabido que durante década e meia Ryoji Ikeda foi acumulando reputação por ser incansável e ousado nas soluções que descobria para o som. Recentemente, a sua peça audiovisual Datamatics (que é também nome global do projecto) exibia num ecrã aquilo que parecia ser a ruína gradual de um processador electrónico, enquanto servia nas colunas um festim de blips e detritos em cadência praticamente impossível de ser processada pelo raciocínio humano (o alvo a abater de Ikeda). Na sua última fase, Datamatics usufruía da envolvência e hipnose acumuladas para tornar o ouvinte mais receptivo à dimensão quase galáctica da electrónica de génese errónea, contudo paradoxalmente equilibrada numa matemática que aproveita plenamente a capacidade esponjosa dos ouvidos (desafiando até os seus limites). Test Pattern não se encontra assim tão distante do conteúdo sonoro dessa exibição, recusando, em conformidade, a obrigação de produzir “música”, voltando, mesmo assim, a apostar nos excessos digitais como coordenadas para as suas dimensões sempre mais preenchidas do que realmente parecem. São às dezenas os sons microscópicos que Test Pattern debita por segundo.

O abalo e grau de exigência de Test Pattern chega a ser ilegal, ostensivamente ilegal (o disco traz colado um aviso que indica o perigo da última faixa para algumas colunas e aparelhos auditivos), mas os sobreviventes voltam à terra mais aptos para futuros desafios. Sem abandonar um estado de hiperconsciência em relação aos seus métodos (o que se traduz sempre em alguma repetição), Ryoji Ikeda permanece, todavia, num plano de experimentação e desafio que é caracteristicamente seu. Prova (uma vez mais) que o erro pode ser rendido num contexto estritamente rigoroso. Até porque um erro sem Ryoji Ikeda seria uma vida desperdiçada.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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