DISCOS
Sebadoh
Bubble & Scrape [Expanded]
· 18 Set 2008 · 08:00 ·
Sebadoh
Bubble & Scrape [Expanded]
2008
Domino / Edel


Sítios oficiais:
- Sebadoh
- Domino
- Edel
Sebadoh
Bubble & Scrape [Expanded]
2008
Domino / Edel


Sítios oficiais:
- Sebadoh
- Domino
- Edel
O questionável Evangelho lo-fi de acordo com os Sebadoh (ou a Bíblia de rock anti-estético para quem tem neste um dos sérios candidatos a disco da vida).
Em geral, é limitado o atrevimento e eficiência de um corpo cuja imensa vitalidade tenha os dias contados por força de incompatibilidades interiores e outros reveses. Quando um corpo contraria, pela última vez, a sina que lhe dita a extinção, o milagre do derradeiro fôlego merece, no melhor dos casos, a designação de canto do cisne ou sprint final. Esses termos simplificam-se se atendermos ao caso prático dos Sebadoh e de Bubble & Scrape, monumento rude que Lou Barlow, Eric Gaffney e Jason Lowenstein colocaram de pé numa temporada em que a desintegração da banda seria inevitável.

Elaborado durante um período emocionalmente misto de liberação artística e tensão, Bubble & Scrape, quarto longa-duração, desafia os limites do compreensível enquanto o mais feliz dos acidentes, que não só torna indistinguíveis as fronteiras entre quaisquer noções possíveis de equilíbrio (entre os três criativos em pico de forma) e desequilíbrio (a sua insanidade palpável), como também resiste a oferecer respostas para isso, além das reveladas pela música. Sobra, até, pouco tempo para reflectir sobre as respostas, quando, sem perder coesão, o disco varia alucinantemente de registo, sempre que a autoria das canções passa de Barlow para Gaffney, e deste para Lowenstein, voltando depois ao primeiro. E a verdade – às vezes demasiado esquecida - é que Bubble & Scrape encapsula algum do mais aguerrido e certeiro indie-rock escrito por linhas tortas nos últimos vinte e cinco anos, dependendo apenas de canções que rondam os dois minutos e meio e que nem sequer desrespeitam a Santa Trindade de utensílios rock (embora incluam algumas tapes manipuladas) que une a guitarra e o baixo à bateria.

Conforme as primeiras linhas davam a entender, a contextualização histórica (já a merece) de Bubble & Scrape incide numa série de acontecimentos invulgares. Frustrado com a tirania sofrida às mãos de J. Mascis, enquanto baixista dos Dinosaur Jr. de temporada clássica, Lou Barlow achou-se no direito de escrever as suas próprias canções, criando, para o efeito, o nome Sentridoh (reservado a cassetes lo-fi pornograficamente pessoais) e o verso Sebadoh, que, antagonizando as impossibilidades passadas, serviria como desarrumado laboratório da canção, aberto a um regime de colaborações dito democrático. Ou seja, tão democrático como o alinhamento de B&S e nem tanto como a essência anómala e anárquica do terço reservado a Gaffney.

De costas voltadas para a corrida ao El Dorado grunge, que movia todas as pernas na altura (1993), e após esgotarem as hipóteses da canção de ímpeto e casualidade caseiras, com os extensivos The Freed Man e III , que, em conjunto, formam um cânone quase insuperável da lo-fi de transição 80/90, os Sebadoh chegavam à Sub Pop (casa-forte do tal género perseguido) na condição de alienados bem capazes de canções memoráveis e brutalmente genuínas, embora notoriamente apodrecidas pelo desleixo. Concluído que estava o período de maturação e entrosamento entre Barlow, Gaffney (maquiavélico membro “inicial”) e Lowenstein (piromaníaco rock entretanto integrado), o mais compacto Bubble & Scrape marcava a hora de revelar os Sebadoh ao restante mundo, mesmo que a instabilidade (e algum mau feitio de Gaffney) ameaçasse, a qualquer instante, resultar em ruptura (a promoção do álbum em Inglaterra foi, no mínimo, turbulenta). A bolha rebentou, de facto, pouco tempo depois, não sem antes deixar um documento cru e franco do produtivo abalo que a insuflou em primeira instância.

O que, afinal, move e agita o âmago convulso e adulterado de Bubble & Scrape é uma triangulação quase infinita de dinâmicas, que parte inevitavelmente de uma banda comprometida a profanar a canção com o à vontade de uma equipa de demolição livre de assinar um termo de responsabilidade. Respeitando a ordem dos nomes, as características que sobressaem a cada um dos integrantes dos Sebadoh são – correspondentemente - as seguintes: Barlow, Gaffney, Lowenstein; escrita apurada de canções que o destacam como um dos grandes da sua geração, gaffes técnicas propositadas, homem de acção e riffs que suam balas; “Think (let tomorrow bee)”, caprichos Que se foda! consumados em canções escravizadas pelos métodos de um lunático, a orgulhosa falta de rigor herdada ao garage norte-americano; bongo, cafeína,speed; o bom, o mau e o vilão rock.

A salvação e disseminação de Bubble & Scrape assenta na estranha garantia de que uma hemorrogia provocada por um momento particularmente violento de Gaffney (paranóia e uma harmónica roubada a Neil Young em “Fantastic Disaster”) estanca pouco depois com a suturação operada pela ponta mais melancólica e intimista de “Happily Divided” (consagração atípica de Lowenstein). Tudo isto surge envolto em doses industriais de tédio e consumo alarve de erva, o que sustenta a ideia de que as guitarras em “Homemade” serão mesmo ponteiros de um relógio que queima o tempo como o lume queima tabaco.

Embora Bubble & Scrape necessitasse apenas das suas dezassete faixas originais, como argumentos favoráveis à sua condição de imprescindível, é legitimo e pertinente que a Domino tenha comemorado o décimo-aniversário do Álbum acrescentando-lhe o habitual sortido de faixas inéditas, demos e tudo mais. Sem muito adicionar ao que já se sabia e sem criar elevado interesse em torno das reais novidades (meia dúzia de estrilhos algo apressados), o disco de extras vale, mesmo assim, pelo panorama que proporciona sobre o processo de alguns temas predilectos: “Reject” era mais urgente e atabalhoado antes de ser “Sacred Attention”, o passado de “Sister” continha afinal um riff-alternativo muito Mudhoney e um rastilho mais curto, todas as pertenças alquímicas de Eric Gaffney eram ainda mais doentias (ó surpresa das supresas…).

Por último, o idealista de coração indie pode sempre tentar deixar um post scriptum a quem gere o tempo. Um post scriptum que suplique pelo prolongamento dos dias para sair para a rua ao som dos Pavement ou para ficar em casa a atrofiar na companhia dos Sebadoh. Bubble & Scrape será sempre motivo mais do que suficiente para resolver o dilema, que pesa o exterior e o interior como opções para quem tem neste um dos discos maiores da sua vida.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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