Quando, no número 211 da Avenida da Liberdade em Lisboa, já se afogavam as últimas réstias de conversa por entre o tilintar das garrafas de cerveja, inesperadamente, emergem de uma das salas, hipnóticas notas de teclado que ecoariam triunfantes pelos corredores, deu-se um dos momentos mais memoráveis que os já poucos presentes puderam assistir nessa noite de 21 de Dezembro. O autor desta façanha surpreendente foi Steven Warick, que além de ser umas das metades dos arautos de algum do melhor drone inglês, Birds of Delay, tem também tricotado sublimes tapeçarias de sintetizador drogado sob o nome de Heatsick.

Constituído por duas faixas correspondentes a cada um dos lados da cassete, Perpendicular Rain suspende-se nas cascatas de sintetizador de que Warwick mostrou já ser um apaixonante orquestrador, como aponta em direcção a novas paisagens na continuidade daquilo que já se conhecia de Muddy Paw ou Reverse Gardens. Em "Perpendicular Rain", La Monte Young converte-se à estética DIY e ao lo-fi de quarto a cheirar a incenso corriqueiro, enquanto camadas de sintetizadores texturais se acumulam em rodopio, adensando-se sem que as suas nuances melódicas se escapem por entre as esquinas da sala (enquanto espaço mental, também).

"Suspended Horse, Carousel" aproxima-se mais dos drones pantanosos do passado, à medida que o baixo incessante é ameaçado constantemente por sintetizadores em voos rasantes de trajectória elíptica, sem que nunca seja devorado pelo turbilhão. A envolvência calorosa de "Perpendicular Rain", toma neste lado B, o pulso à tensão algo desconfortável que advém do desconhecido, como os Pássaros que Hitchcock profetizou enquanto revolta da Natureza em 1963. Mas o medo também envolve as pessoas e sentimentos como ódio ou amor são tendencialmente sobrevalorizados.