DISCOS
Nick Drake
Pink Moon
· 07 Jan 2003 · 08:00 ·
Nick Drake
Pink Moon
1972
Hannibal


Sítios oficiais:
- Nick Drake
- Hannibal
Nick Drake
Pink Moon
1972
Hannibal


Sítios oficiais:
- Nick Drake
- Hannibal
Existem álbuns tão delicados que para os descrever todas as palavras fracassam, parecendo demasiado frívolas, demasiado apertadas, demasiado curtas. Existem álbuns que estão tão marcados no nosso imaginário, e, mais do que isso, no nosso mais íntimo dos íntimos, que resta apenas tentar divagar sobre os lugares e os tempos que eles sugerem e moldam, e que são, no fundo, partes definitivas do que nós somos, e é esse um poder inquestionável da música: ela é, no fundo, um ponto de partida para a construção da nossa identidade, e simultaneamente um meio sublime de a alcançar. E a música de Nick Drake é assim, inspiradora para uma geração inteira que se dedica ao seu culto, mais ou menos secreto, mais ou menos íntimo. Ele representa, de uma forma taciturna, um sedativo que nos conduz por campos inalcançáveis e indescritíveis. Com a sua música podemos revisitar estados de alma de outra forma confusos e ilógicos, através da “finita melancolia” (de que nos falava Al Berto) que se apodera, quase instantaneamente, dos nossos corpos. Como refere o Tiago Gonçalves na crítica ao “Five Leaves Left”, Nick Drake “cativa, comove e abençoa”.

Este “Pink Moon” é para mim o álbum especialíssimo e essencialíssimo de Drake, muito devido às circunstâncias em que foi gravado, já numa fase descendente da sua curta carreira. Com efeito, o song-writer britânico teve um fim de vida trágico, repleto de problemas psiquiátricos, que o levaram, a certa altura, a afirmar que era sua intenção nunca mais gravar nenhuma música. Em 1972, dois anos antes de falecer, grava “Pink Moon”, em que se percebe já a tentativa desesperada de fugir ao turbilhão psicótico em que se encontrava, e talvez seja por isso que este conjunto de onze canções, com apenas 28 minutos, é tão precioso. Dele não queremos sair, não queremos nunca que acabe, e desta forma acabamos dando valor a todos os segundos, a todos os acordes, a todas as sílabas da voz de Drake.

(Um parêntesis: outro reflexo de estado psicológico de Drake é a sua opção ao recusar qualquer tipo de orquestração, ou mesmo do uso de outros instrumentos que não a sua guitarra e o seu piano. Ele é secundado apenas por Joe Boydt, que produziu o álbum.)

Este facto torna “Pink Moon” o álbum de Nick Drake talvez mais definitivo, e mais próximo da imagem que possui nos nossos dias: uma riqueza inimaginável, escondida atrás de uma voz “incrivelmente bela” e do dedilhar de uma guitarra inspirada no folk, mas, tratando-se de quem é, indo muito para além de qualquer enquadramento histórico ou estilístico. Esqueçam movimentos de nomes pomposos como “rock progressivo” ou “intelligent dance music”. Com uma guitarra crua chega-se à verdade, e é esse um das declarações mais comoventes neste song-writer: a sua honestidade e sinceridade, não longe da pureza que possuem os poetas, os observadores da realidade, enfim, os verdadeiros artistas, que têm como obra o testemunho da sua introspecção.

Nick Drake não foi, certamente, um revolucionário. As suas melodias não eram muito complicadas (embora ele fosse um excelente dedilhador), fora de qualquer tentativa de conceptualidade ou retórica. Pelo contrário, eram imediatas, e fruto de muitas horas a sós com a guitarra. No entanto, por vezes a maior revolução parte de, e vai ter ao mais simples.

Assim, por muito que Drake fosse ignorado no seu tempo (o que aconteceu com génios desde Van Gogh aos Velvet Underground), a intensidade presente em músicas como “Place To Be”, “Parasite” ou “From The Morning” é, diria eu, eterna e desta forma intemporal, ao ser uma expressão de alguns problemas (ou melhor, das fugas a esses problemas) de todos os seres humanos. Das conchas que constroem e onde repousam, (conchas metafísicas, evidentemente), à queda constante quando se embate na realidade. Nick Drake dá-nos um “Place To Be”, um lugar taciturno, sem dúvida, em que estamos “mais escuros que o mais profundo mar” e “mais fracos que o mais pálido azul”. E um lugar onde repousamos, seguros, e longe de qualquer perigo.
Nuno Cruz
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