DISCOS
Jens Lekman
Night Falls Over Kortedala
· 03 Dez 2007 · 08:00 ·
Jens Lekman
Night Falls Over Kortedala
2007
Secretly Canadian / Flur


Sítios oficiais:
- Jens Lekman
- Secretly Canadian
- Flur
Jens Lekman
Night Falls Over Kortedala
2007
Secretly Canadian / Flur


Sítios oficiais:
- Jens Lekman
- Secretly Canadian
- Flur
Estudo microssociológico sobre a estranha e abusada expressão sentimental do jovem adulto sueco (ver no interior).
Estudo microssociológico sobre a estranha e abusada expressão sentimental do jovem adulto sueco

Na tentativa de entender o que terá levado o escritor de canções Jens Lekman a ser tão exacerbado e diverso na composição da música que integra o seu segundo disco de originais Night Falls Over Kortedala, o Bodyspace conduziu uma investigação que reuniu testemunhos a jovens entre os 22 e os 27 anos com pareceres (mais ou menos) concretos sobre as mais atípicas formas de expressão por parte de indivíduos suecos entre as mesmas idades.

Chamemos-lhe “Ankie” – vivia na Holanda e não esperava em vésperas de determinado Natal vir a receber do namorado sueco um pacote com todo o tipo de especiarias do seu país: ópera sueca, caviar sueco, licores suecos, até um candelabro sueco (kitsch no seu aspecto dourado com pequenos anjinhos suspensos). “Ankie” acrescenta que anexo a tal quantidade de prendas vinha um guia que recomendava – passo-a-passo – que música escutar em sincronia com a ingestão de que comidas e bebidas. A silhueta de “Ankie” não acusava em demasia a obediência a essa proposta do namorado.

Sem parecer tão restritivo nas regras impostas ao jogo, Jens Lekman acabar por ser um descomprometido herdeiro da tradição pop escandinava – encabeçada pelos ABBA - que durante vários anos seduziu o júri do Festival da Eurovisão com os seus produtos melódicos. Ocupando a proa mais saliente do barco, mas afogado em margaritas que alcoolizam o sangue ao ponto de já ser confundível a orientação sexual dos protagonistas invocados (“A Postcard to Nina” mete tudo ao barulho), Jens Lekman adopta os vários disfarces que assume o herói pop - que necessita apenas de uma canção para dominar o mundo - indo ao barbeiro de estilo quantas vezes lhe apetece: seja para vestir a pele quase omnipresente de Burt Bacharach (e viajar no mesmo Barco do Amor), emular pontos extremos do ânimo sexual associado às mais intensas presenças em palco de Tom Jones, ou exercitar um easy listening que – de modo impressionante – nem cheira a mofo.

A segunda interrogada “Patty” deparou-se com uma decisão moral, quando, em apenas três dias de convívio no trabalho exercido numa loja de discos, percebeu que um rapaz muito parecido com o seu próprio irmão alimentava um “fraquinho” por ela. Tudo se tornou mais nítido na altura em que o tal rapaz abandonou o seu emprego, não sem antes confiar à entrevistada um disco com músicas da sua autoria e uma carta. “Patty” recorda sorridente o potencial das músicas no CD-R e aponta como curiosidade digna de reparo o sotaque abrasileirado do português falado pelo seu amigo sueco.

Antes do assombro sinfónico detonado por grande parte dos refrães que desfilam em Night Falls Over Kortedala, é fácil imaginar o ídolo sueco a requisitar aos técnicos de palco que verifiquem o contacto das lâmpadas que formam a curva superior do "S" que conclui o seu nome. Um crooner reclama por um cenário ostensivamente perfeito para que mais épico seja o contraste entre isso e a imperfeição das relações que denuncia a pulmões cheios. Sente-se a Jens Lekman uma enorme vocação para mineiro de brilhantes pepitas de contraste: cruza um vocabulário favoravelmente limitado com o mais suculento dos acompanhamentos musicais, além de conseguir ser barroco na aproximação vocal a Morrisey, porta-voz de todos os miseráveis pré-EMO, e, mesmo assim, conjugar o seu lamento com todo o tipo de repetições floridas providenciadas por instrumentos – da guitarra ao saxofone - com um sorriso parvo estampado no rosto. Lekman sonha a pop sem nunca se preocupar em medir os descabidos riscos a que se sujeita essa quando quer ser maior que a vida.

Entre desabafos sobre a perda de cor caju do seu cabelo, “Bianca” admite que nunca percebeu o que terá levado um admirador seu de Orebro a tomar como modelo o mosaico críptico das pequenas imagens que formam o grafismo do disco No Code dos Pearl Jam e, seguindo esse exemplo, a cortar pedaços de polaroids simbólicas de ocasiões harmoniosas vividas por ambos para combinar à sua maneira na capa de uma mixtape de temas supostamente afectos aos dois, mas que, afinal, respeitavam maioritariamente ao rapaz. Calculava ela que não existiam sequer fãs de Pearl Jam na Suécia, quanto mais alguém disposto a tal tarefa exaustivamente conceptual.

Igualmente incrédulos mantêm-se todos aqueles que não esperavam de Jens Lekman que este alguma vez chegasse a ser tão pomposo no seu labor musical, nem que fosse apenas para cumprir o intuito de maximizar toda as insignificâncias e trivialidades perdidas entre o pó de um baú em forma de coração coberto por gaze. “Kanske Är Jag Kär i Dig” dispensaria até o maravilhar proporcionado pelo seu coro doo wop e a arrebatadora conclusão a cargo de uma secção de sopro em trajes de gala, quando já conta com a mais hilariante das fábulas simplórias (sobre uma mãe que deixou o filho ter um porco em vez de um cão, porque este último espécime a tinha atacado certo dia). Lekman vinga a insatisfação que em si provoca todo o pesar cinzento da sua vizinhança em Kortedala, na cidade de Gotemburgo, entregando-se a todos os megalómanos caprichos que podem assaltar a vontade de quem só vive realmente quando seguro de que é o absoluto maestro da orquestra do seu quarto. O mais proveitoso gesto natalício a colocar em prática este ano é endereçar uma carta ou postal que incentive Jens Lekman a ser tão excêntrico e desmedido quanto desejar. Assim conclui este estudo.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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