A complexidade criativa de alguém como Thurston Moore mede-se também pela facilidade quase desportiva com que o próprio se move entre os terrenos mais dispares do espólio musical que criou para si e para um número sem fim de colaboradores seus. Bastará percorrer a carreira de Thurston Moore em leitura diagonal para perceber que o fundador e guitarrista dos Sonic Youth nunca fez muito por manter intacto o estatuto adquirido com a participação determinante no consistente percurso que separa o seminal Confusion is Sex do mais recente (e aclamado) Rather Ripped. A congruência é uma chatice e Moore não parece ter perdido muito tempo a ponderar sobre quais seriam as consequências e reacções a iniciativas que terá tomado por gozo meramente pessoal. Como exemplo dessas, recorde-se a fugaz participação na BackBeat Band, em que, ao lado de Greg Dulli e Dave Grohl, interpretava covers dos Beatles, ou a colaboração dos Sonic Youth com os Cypress Hill numa “I Love You Mary Jane” – incluída na banda-sonora de índole cross-over Judgment Night - em que um groove da sua guitarra servia de passadeira às rimas de B Real deliberamente elogiosas em relação às propriedades da marijuana. Com o mesmo à vontade, vimo-lo também envolvido com as mais salientes figuras da música generalizadamente apontada como experimental (de Jim O’ Rourke a Rafael Toral), quer enquanto membro dos Sonic Youth, quer em nome próprio. Serve tudo isto para explicar que Trees Outside the Academy, trabalho de gestação (a)morosa, não parece talhado para corresponder exactamente às expectativas mais directas (geradas pelo passado recente dos SY) e, mesmo assim, preenche todos os requisitos de satisfação exigidos por quem espera apenas o melhor de Thurston Moore.

Ao bombear o sangue que traz na guelra no sentido de contextos musicais que inspiram à pacificação interior, Trees Outside the Academy estabelece-se gradualmente num terreno fronteiriço, sobre o qual coloca um pé de cada lado da cerca anímica da canção (e se elas existem por aqui!...) – um mais irrequieto que se move pelo raciocínio acelerado empregue na guitarra acústica (e num ou outro solo de guitarra eléctrica), outro mais assente e enraizado nos arranjos de violino aqui encarregues à execução irrepreensível de Samara Lubelski (pérola da Social Registry e, a partir de agora, a principal ameaça aos sonhos mais dominadores de Owen Pallett tcp Final Fantasy). De um modo impressionantemente fluído e inspirado, Thurston Moore leva a cabo uma master class no que respeita à viabilidade de um disco de canções de porte grandioso às quais a leveza de espírito serve como o melhor antídoto para anular o pretensiosismo que o poderia ameaçar.

A certa altura, quase parece que o seu autor utilizou o tecido “Kashmir”dos mais sinfónicos Led Zeppelin, para remendar os buracos acumulados numas calças de ganga punk (que, em “Wonderful Witch” surge amadurecido e, mesmo assim, com todo o seu fulgor de origem). Ao abrigo disso, o excepcional entrosamento entre guitarra guarnecida de electricidade e o correspondente arranjo de violino pontua uma “Off Work” que se parece muito com um bem medido exercício de costura em que a mistura vence o confronto. Tal como muitas das suas congéneres, “Off Work” comporta grandeza. O tipo de grandeza que se espera de alguém que no seu anterior disco a solo - Psychic Hearts - até dedicara a todas as estrelas de rock mortas uma elegia de quase vinte minutos centrados em guitarra. Parece que nesse aspecto, sim, Thurston Moore, mesmo que sem obrigação aparente, colmatou uma esperança secreta por parte de quem possa também adorar as suites “"Wild Flower" e "Hits of Sunshine (For Allen Ginsberg)" de A Thousand Leaves dos Sonic Youth.

Sem procurar dispor afirmações pessoais ou activar ambições megalómanas, Trees Outside the Academy será muito provavelmente o mais transgressor dos discos em paz consigo mesmos, no que respeita a lançamentos de 2007. A reputação acumulada no trabalho mantido à margem dos Sonic Youth apontaria normalmente para um disco mais aventurado a nível experimental, mas Thurston Moore limitou-se, muito naturalmente, a somar a sua vontade criativamente entroncada à de alguns colaboradores predilectos, num âmbito musical avesso às restrições próprias de um meio académico. Com isso, obteve um disco que surge a apenas um ano de servir como a melhor prenda que Thurston Moore pode oferecer a si mesmo por completar meio século de vida.