DISCOS
L. Pierre
Dip
· 21 Mai 2007 · 08:00 ·
L. Pierre
Dip
2007
Melodic
Sítios oficiais:
- Melodic
Dip
2007
Melodic
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- Melodic
L. Pierre
Dip
2007
Melodic
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- Melodic
Dip
2007
Melodic
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- Melodic
O pesar amadurecido dos Arab Strap conhece a sua negação póstuma em idílico objecto de contornos cinemáticos kitsch.
Desde sempre que a oscilação entre apetite e insegurança sexual da dupla escocesa Arab Strap se mede pela quantidade de roupa liricamente invocada em cada uma das situações descritas em músicas cuja carga neurótica muitas vezes excede o estabelecido por lei. Não se sabe ao certo se é um hábito próprio do país onde os homens também vestem saias, mas sucedeu-se o número suficiente de vezes para sustentar a teoria. A tensão era muita quando, em “Pyjamas” (do excepcional Elephant Shoe), Aidan Moffat tentava persuadir à nudez e intimidade com a questão Do you really need pyjamas in this heat?. A resposta era afirmativa por parte da segunda pessoa, mas apenas insinuada pelo aspecto condenado da relação à beira da ruptura. De forma a contrariar o pessimismo que dominou parte considerável dos Arab Strap, o derradeiro disco The Last Romance apontava, em certas alturas, a fantasias proveitosamente consumadas e, noutras, à consciencialização de que chegara a hora de cobrir o corpo e voltar a uma vida social respeitável. “Fine Tuning”, por exemplo, descreve o apelo à sintonia entre dois strip-teasers com If you take a sock off, then I’ll take a sock off. We’ll do one-for-one ‘till we’re both bare.. Por sua vez, “Stink” culminava a trivialização de hábitos sexuais casuais com uma das primeiras frases a demonstrar pudor por parte dos Arab Strap:I think it’s time we both get dressed. Com isto, a imagem que retém quem acompanhou as desventuras sentimentais a uma das mais desgraçadas duplas escocesas é a de dois homens vestidos que trazem em cada botão apertado uma medalha de mérito pelas batalhas travadas em relações conturbadas.
Por ser o primeiro disco a suceder à separação dos Arab Strap e a todo o processo acima referido, Dip é também a negação da idade que acusa e demove Aidan Moffat da tal jovialidade nua que se referia no parágrafo anterior. Moffat, habituado a vocalizar a melancolia politicamente incorrecta do duo que o associava ao instrumentista Malcolm Middleton, encontrou no projecto L. Pierre o veículo descomprometido para projectar o seu gosto por easy listening e música romântica kitsch, reavivando a memória disso através de samples pilhados a discos empoeirados e criando paisagens excessivamente amigáveis a um ouvido que aprecie recostar-se junto de melodia. Além disso, mantendo por regra o registo instrumental (só quebrado no EP I Hate T-Shirts that say 1997). Dip, terceiro longa-duração encarregado à britânica Melodic, é o disco de L. Pierre que mais nitidamente assume a sua aura escapista de banda-sonora para veraneante em profunda crise de meia idade que se reencontra com os prazeres da vida na ainda mais profunda parte inferior de um lago de reminiscências. Dip em inglês significa mergulho. Com o sotaque escocês de Aidan Moffat, adquire a conotação de mergulho só possível de ser feito em pelota - em jeito de demonstração de desembaraço e despreocupação perante o aspecto mais envelhecido da pele desgastada por paixões nem sempre bem sucedidas.
Sobre os anteriores capítulos, Dip assume uma vantagem directamente relacionada com o facto de ser muito mais palpável o seu conteúdo orgânico preenchido por instrumentos como o violoncelo, contrabaixo e trompete (que torna triunfante a aterragem de “Weir’s Way”) – todos esses confiados a músicos diferentes que foram conhecendo as instruções de Aidan Moffat. É obrigatoriamente ele o mestre de cerimónias, principal compositor e o guia espiritual emergido a partir de um arquivista obsessivo de filmes eróticos vintage. Sente-se em toda a parte de Dip essa adoração pela sugestiva ramificação da sétima arte: escuta-se certamente isso ao piano que se arrasta nostalgicamente em “Ache” e ao meloso cair do piano que leva “Drift” por entre loops e cordas lacrimosas, até ao adormecimento nos field recordings da beira-mar que o torna ondulante. Ainda assim, Dip falha em cativar muito mais que escutas esporádicas, por motivo dos seus caprichos novelty (escute-se a avalanche de mau gosto a “Hike”) e por servir essencialmente como objecto de gozo a quem o produziu sem a preocupação de o tornar funcional (e apetecível). No melhor dos casos, Dip adequa-se como banda-sonora retro para uma idade em que começa a ser obrigatório o afeiçoamento a um outro conceito muito Arab Strap:Uma pessoa percebe que está a envelhecer, quando já só desespera por uma boa conversa. Ou por um mergulho num mar que serve de memorial a todas essas.
Miguel ArsénioPor ser o primeiro disco a suceder à separação dos Arab Strap e a todo o processo acima referido, Dip é também a negação da idade que acusa e demove Aidan Moffat da tal jovialidade nua que se referia no parágrafo anterior. Moffat, habituado a vocalizar a melancolia politicamente incorrecta do duo que o associava ao instrumentista Malcolm Middleton, encontrou no projecto L. Pierre o veículo descomprometido para projectar o seu gosto por easy listening e música romântica kitsch, reavivando a memória disso através de samples pilhados a discos empoeirados e criando paisagens excessivamente amigáveis a um ouvido que aprecie recostar-se junto de melodia. Além disso, mantendo por regra o registo instrumental (só quebrado no EP I Hate T-Shirts that say 1997). Dip, terceiro longa-duração encarregado à britânica Melodic, é o disco de L. Pierre que mais nitidamente assume a sua aura escapista de banda-sonora para veraneante em profunda crise de meia idade que se reencontra com os prazeres da vida na ainda mais profunda parte inferior de um lago de reminiscências. Dip em inglês significa mergulho. Com o sotaque escocês de Aidan Moffat, adquire a conotação de mergulho só possível de ser feito em pelota - em jeito de demonstração de desembaraço e despreocupação perante o aspecto mais envelhecido da pele desgastada por paixões nem sempre bem sucedidas.
Sobre os anteriores capítulos, Dip assume uma vantagem directamente relacionada com o facto de ser muito mais palpável o seu conteúdo orgânico preenchido por instrumentos como o violoncelo, contrabaixo e trompete (que torna triunfante a aterragem de “Weir’s Way”) – todos esses confiados a músicos diferentes que foram conhecendo as instruções de Aidan Moffat. É obrigatoriamente ele o mestre de cerimónias, principal compositor e o guia espiritual emergido a partir de um arquivista obsessivo de filmes eróticos vintage. Sente-se em toda a parte de Dip essa adoração pela sugestiva ramificação da sétima arte: escuta-se certamente isso ao piano que se arrasta nostalgicamente em “Ache” e ao meloso cair do piano que leva “Drift” por entre loops e cordas lacrimosas, até ao adormecimento nos field recordings da beira-mar que o torna ondulante. Ainda assim, Dip falha em cativar muito mais que escutas esporádicas, por motivo dos seus caprichos novelty (escute-se a avalanche de mau gosto a “Hike”) e por servir essencialmente como objecto de gozo a quem o produziu sem a preocupação de o tornar funcional (e apetecível). No melhor dos casos, Dip adequa-se como banda-sonora retro para uma idade em que começa a ser obrigatório o afeiçoamento a um outro conceito muito Arab Strap:Uma pessoa percebe que está a envelhecer, quando já só desespera por uma boa conversa. Ou por um mergulho num mar que serve de memorial a todas essas.
migarsenio@yahoo.com
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