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Vodafone Mexefest
Lisboa
27-28/11/2015


A edição de 2015 do Vodafone Mexefest nunca seria como as anteriores. E bem, qualquer pessoa vos diria tais platitudes, da organização aos transeuntes, porque não existem dois festivais nem dois cartazes nem dois concertos iguais; há diferentes maneiras, isso sim, de experienciar a coisa, e que se alteram radicalmente com a passagem dos anos. O que mudou, então, este ano? Para começar, a reinclusão do abençoado Tivoli, o facto das propostas que interessavam estarem todas juntinhas umas às outras (o que nos poupou imenso cansaço) e o ter de elaborar reportagem sobre o evento para dois sítios diferentes. A MnC apreciará certamente o gesto e, podendo, safará a partir de agora cerveja à borla...

A correria, mesmo que menorizada pelos shuttles, aconteceu - como é normal que aconteça num festival como o Mexefest, em que pouco espaço há para pensar. E para entrar; os concertos no alcunhado "quarto escuro" começavam em filas tão intermináveis que a paciência se esgota depressa e mais vale voltar a descer a avenida, ainda a tempo de apanhar os acordes finais de uma banda de versões da Adele a tocar num quiosque (e que foi bem mais interessante que muitas outras das bandas confirmadas neste cartaz). Descer, para ver novamente os Galgo, na estação do Rossio, que começam o seu set sob o jugo de uma lua distante e redonda, com um cheiro a erva impressionante nas grades a pontuar a magnífica "Trauma De Lagartixa", que abriu um concerto curtinho mas bem feito. E, já que estamos aqui porque somos portugueses, daí se segue para Cave Story, a apresentar rockalhada coesa numa garagem cheia de fumo. Mas ainda estávamos a aquecer.

E por falar em aquecer: a simpaticíssima condutora do shuttle número cinco queixava-se que já lhe doía o pé de tanto o colocar na embraiagem, e ainda faltavam cinco horas para terminar o turno - o que nos leva a rezar para que a Vodafone disponibilize seguro médico. Tão seguro quanto o concerto de LA Priest no Tivoli, do qual só apanhámos vinte minutos, o suficiente para garantir um lugar no top 3 de melhores concertos do festival, através da electrónica marada do moço, dos loops de voz, dos beats enraizados num tribalismo infantil delicioso e de um house que se dançaria não fossem as cadeiras do Tivoli - ainda que, a dada altura, o público cague de alto nisso e faça a festa. Mas não é só dança; há também uma pop MOR maravilhosa, sofisticada como o sonho de um mitra, e não nos iludamos - isto é azeite, mas do bom, a escorrer Avenida fora e onde não temos pudor de mergulhar. A minha fotógrafa insistiu que lhe chamasse "o Roberto Carlos da electrónica". Fica a dica.

De LA Priest passamos para os Chairlift, com militares da GNR a passearem-se pelo Coliseu à procura de terroristas. Prevenção, prevenção. Quanto aos norte-americanos, chegam atrasados ao palco e mostram, sobretudo, as canções do seu próximo disco, Moth, perante uma sala bem composta e à espera do literalmente enorme Benjamin Clementine. Pop electrónica e vestida de blazer, que serve para dar um pézinho de dança quando entra o funk a borbulhar como uma Coca-Cola. Não é mau, mas também não serve para muito. Assim como o concerto de Ducktails não serviu para grande coisa, porque as canções de St. Catherine não são assim tão boas e porque houve um imbecil qualquer que se pôs a fumar onde não devia, assim como outros imbecis houve que não se calaram durante o espectáculo inteiro. A melancolia das guitarras de Matt Mondanile, essa, esteve bastante presente, e quase puxou a lagrimita, mas de resto já dele se ouviu muito melhor.

Melhor só mesmo apanhar os Sunflowers no autocarro, a assinarem o concerto mais punk de todo o festival, com malta pendurada no tecto e uma mini-versão da "Paradise City" logo a abrir - e, se pudesse, aquela gente teria feito o melhor crowdsurf de sempre. Um crowdsurf que também não existiu em Titus Andronicus, apesar de ter havido mosh q.b. e gente gira e jovem a entoar cada verso dos norte-americanos, que nestas lides são um bocado os Coldplay do hardcore, porque é tudo muito épico e emotivo e gritos de you will always be a loser e, bem, isso define um bocado a nossa vida. E dos Titus vamos para casa, minimamente satisfeitos, já que o franciú não nos deixou fotografá-lo e não estávamos tão alcoolizados como a menina ruiva que encontrámos a ser levada em ombros à porta do Ateneu. Espero que esteja tudo bem contigo, amiga. Num segundo dia que prometia ser mais calmo, porque não havia tantos concertos que nos afagassem o goto, coube a Jenny Hval a honra de nos receber no São Jorge pela primeira vez, algo que quase esteve para não acontecer porque os seguranças, à porta, diziam que já mais ninguém podia entrar já que a sala se encontrava cheia. Perante argumentos do género temos que fazer o nosso trabalho eles lá "abriram uma excepção", e foi esta frase que merecia um respeitoso "vai-te foder", porque no papel que nos deram está escrito que temos sempre entrada garantida independentemente do recheio da sala. Pior ainda: quando lá entramos ainda dá para respirar e chegar bem perto do palco. Isso não é uma "sala cheia", pá, assim como a Jenny Hval não é música para toda a gente, e sim para estudantes de Belas Artes: electrónica como base, spoken word e uma jovenzinha atraente a roçar-se numa enorme bola suíça em fato de treino (porque se sentia casual, disse). Muito pós-moderno, muito fashion, pena é que não haja grandes canções - tirando uma ou outra, que ainda deram para dançar.

Também houve quem dançasse durante o concerto dos Flamingos, que o agora Luís Severo afiançou-nos, antes de começar, que iria ser uma merda porque o som estava uma merda. De facto, o som estava uma merda, mas nem foi um mau concerto; há qualquer coisa de mágico em canções como "Videmonte" (que ficou na cabeça a noite inteira) e "Cabanas Do Bonfim", tão mágica como o Mágico Porto que não vimos (e ao que parece ainda bem) para irmos mostrar o nosso apoio pela música portuguesa. A noite corria mal em termos técnicos, mas começou a correr bem, porque quando o João Sarnadas diz que vai tudo correr bem o Brahimi marca um golo e tau!, Flamingos é lindo, melhor banda do mundo e melhor pata de coelho para dar sorte (see what I did there?). No final, ainda houve uma "Souvenir" que os presentes, e eram bastantes, puderam levar para casa.

O que ninguém levou para casa foi o concerto de Ariel Pink, porque ao que parece o cavalheiro decidiu trollar toda a gente com um espectáculo incompreensível e não irrepreensível, provavelmente porque está farto de festivais e só quer é ir até à ZdB passar umas malhas porreiras, coisa que não tocou no Coliseu. Houve hipnagogia, claro, houve bizarria, ora pois, e houve rãs e metal e pop dos anos oitenta. O que não houve foi música. É pena. Também não terá havido música em Peaches, porque estamos em 2015, mas havia uma fila desgraçada - porque as pessoas são idiotas e preferem esperar quase uma hora em vez de irem dançar e pular com Bombino, o Carlos Santana do Deserto do Saara, que deu um dos melhores concertos desta edição do Mexefest - e teria sido o melhor da noite se não fosse pelo Patrick Watson, que veio a Lisboa embebedar-se e encher o Coliseu de estrelinhas. Mas sobre isso já escrevi noutro lado. Googlem.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
03/12/2015