A difícil tarefa de criticar...
· 11 Ago 2002 · 08:00 ·
Escrever uma critica a um texto, um filme, uma música ou uma peça teatral... é a mesma coisa que ir contra os meus princípios. Disse há algum tempo atrás numa outra rubrica que não concordo que se classifique a música em estilos musicais. Poderão então perguntar-me como posso fazer uma crítica a uma música, um álbum ou um cantor? Não estarei eu também a classificá-lo mas de outra forma? Não será isto uma espécie de hipocrisia disfarçada?
Pois bem, não me sinto a ir contra aquilo em que acredito porque as críticas que escrevo, para mim, não passam da expressão de uma opinião pessoal que, no fundo, me caracteriza e expõe mais a mim e aos meus gostos do que verdadeiramente à música que critico... Ao fazer uma crítica sinto-me como se desse um pouco de mim, como se me mostrasse, descrevesse perante um certo público que me lê. É parecido com a sensação de escrever um livro na primeira pessoa... Talvez se possa considerar isto como uma maneira de exposição, mas na verdade não é. Trata-se de uma fuga, escondo-me atrás das palavras que escrevo, mas exponho-me entregando-me de corpo e alma à música que tanto representa para mim. Refugiu-me no meio da multidão. Isolo-me no meio do público. Dissolvo-me no mar de gente que povoa o mundo e sente a música.
Hoje em dia dá-se muita importância à surpresa, à novidade, ao que surpreende à primeira vista, mas na realidade julgo que isto não passa de uma fuga à rotina que circunda a vida de quase todos. A procura incessante da sensação da adrenalina a subir, a libertação do espírito e do corpo através dos sentidos e da sua absorção e interpretação do mundo e, especialmente, da música. Mas a verdadeira importância da música é que ela não morre, não fica doente, não sofre, não passa... ela percorre gerações, continentes, atravessa oceanos, passa pelos ouvidos de gente que não se conhece, traz emoções, ajuda desesperos e cria sonhos, marca momentos e permanece, resiste, dura mais do que a rocha, é mais forte do que a corrente do mar. É a sensação de que a eternidade existe.
Cada vez mais penso na crítica como uma forma de criação; cria-se uma espécie de idioma estranho com o qual as pessoas se identificam e reconhecem determinada música. Podem achar um pouco egoísta esta forma de encarar a escrita... e é. Mas a escrita é um processo que, simultaneamente, é egoísta e altruísta, porque começa por querer “fama” e acaba por dar muito de quem escreve a quem lê. É uma entrega à qual não se pode fugir. As palavras ganham vida própria e vão tomando uma sequência que por vezes foge ao nosso controle. Assim acontece com a escrita sobre a música. Humildemente escrevo sobre aquilo que amo e que já faz parte de mim...
Susana Enes

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