Merzbau - Música livre
· 12 Mar 2006 · 08:00 ·

Música livre”. É este o lema da Merzbau (http://www.merzbau.tk), entidade criada primeiramente em 2000 no formato de webzine e depois transformada em netlabel a funcionar recentemente com o intuito de “editar música que não tem espaço nos circuitos habituais da indústria musical de forma a tentar impulsionar o surgimento de novos nomes e nova música”. Desde então, a Merzbau tornou-se numa das mais activas editoras online portuguesas; não só a editar como a organizar eventos. Em Fevereiro, no dia 23 mais precisamente, a Merzbau comemorou um ano de actividades com uma festa de Aniversário no Lounge em Lisboa que contou com as actuações dos Lemur e dos Goodbye Toulouse. Ao mesmo tempo, a Merzbau trazia ao mundo o seu 11º (o 12º, o EP dos Debut, chegou às ruas virtuais há poucos dias), um EP sem título mas com a assinatura dos lisboetas Lemur. De seguida, uma análise a alguns dos últimos lançamentos com selo Merzbau

PCF MOYA
UNTITLED / GOD SLOT EP

Depois da edição de Surgeon Surgeon, por intermédio da Searching Records, a Merzbau acaba de editar a nova gravação de PCF Moya: Untitled / God Slot EP. PCF Moya é o nome que Rui Dâmaso, guitarrista do trio free rock Frango, utiliza para assinar as suas explorações lo-fi, utilizando (por enquanto) uma guitarra e efeitos. Em Surgeon Surgeon havia uma guitarra que era o centro de tudo, que destilava notas com naturalidade, às quais eram por vezes acrescentados efeitos que maximizavam a sua intervenção. Agora, em Untitled / God Slot EP, PCF Moya apresenta-se diferente. Dividido em duas secções, este EP dá mais valor ao espaço e cada momento é calculado com mais precisão. A primeira parte (“Untitled”) foi gravada ao vivo no Out.Fest, o festival que aglomerou na margem sul do rio Tejo todas as bandas da nova cena emergente. Em “Untitled” (que engloba os três primeiros temas do disco) as notas são esparsas e os intervalos de espera aumentam a ansiedade pelo que vem a seguir. Carregada de uma melancolia nebulosa, a música nunca é directa, segue antes a forma de insinuação e só quando a música acaba é que tomamos consciência que estávamos a sonhar. A segunda secção (“God Slot”) inclui dois temas, duas gravações caseiras efectuadas durante o verão passado. Apesar de coerência com a névoa da secção anterior, nesta segunda parte há mais claridade, particularmente visível no crescendo post-rock de “God Slot for Mother”. O disco encerra no regresso a uma toada menos directa, onde as notas se revelam tão importantes como o espaço vazio. John Cage sabia a importância do silêncio. PCF Moya também sabe e, com discrição, fez esta música quase dissimulada que vai subindo por nós sem darmos por nada até nos deixar rendidos. Os clientes Merzbau talvez já saibam, os outros ficam a saber: Untitled / God Slot EP é uma pérola disfarçada. Nuno Catarino

LEMUR
SEM TITULO EP


Parece que foi um rato difícil de parir – mas chegou a tempo do aniversário da Merzbau. Gravado ao longo de duas tardes numa casa abandonada, este EP sem titulo é a continuação do ziguezaguear discográfico dos Lemur – primeiro foi um CD-R, depois um tema na compilação Can Take You Anywhere You Want com o selo Bor Land e outro na compilação Animal Repetitivo - Música do Out.Fest 2005 - que neste lançamento voltam a mostrar como são as guitarras que os conduzem. Em quatro temas mais ou menos curtos – só o último passa a barreira dos seis minutos. Vasco Furtado (bateria), João Brandão (guitarra, baixo), João Marques (baixo, guitarra), Pedro Rodrigues (violoncelo, teclas). Aqui, os Lemur, se param é para respirar, se avançam é para ficar sem fôlego. Confrontos duros entre guitarras sujas e nervosas e percussão irrequieta – o baixo vai buscar sabe-se lá onde a coragem de se meter pelo meio. Adicionam por vezes teclados freaks à mistura (“Tarrafal”) e até mesmo violoncelo no final de “Cell's Cleavage” e em “Escape From Malamut”. Não renegam a distorção, nem algumas influências. A matéria-prima é boa, as intenções igualmente. Faltará aos Lemur o passo em frente, ou seja, um registo mais longo – estes poucos mais de 17 minutos parecem curtos – onde se possa ver tudo aquilo que lhes vai na cabeça. André Gomes


AN OCTOPUS IN THE BATHTUB
TWO THOUSAND AND FOUR EP

Um dos projectos do viseense Ricardo Ramos, ou Puny, caso único (pelo menos do conhecimento geral) de criação musical fora das margens no Interior do país. Two Thousand And Four, registado num gravador de quatro pistas e um laptop, está algures entre o noise e o industrial, sem esconder o background indie rock do músico. "4 drums", logo a abrir, faz mossa com percussão primeva e irrupções de ruído. "Zboy Can't Ear Very Well" conta com a bateria free de Afonso Simões (Phoebus e Fish & Sheep) na primeira parte do tema (o melhor momento do disco), que desenvolve para um andamento quase militar e guitarras indie vintage. Há festim percussivo com ares de jazz irrequieto ("Mathemathics Vs Rythm Raw Mix"), odes ao ruído quotidiano processado em computador ("Vinildelay") e revisões de Ornette Coleman via rock fracturado. Será isto tudo coerente? Nem sempre, o que vale a "Two Thousand And Four" o apelo dos objectos estranhos, mas lhe retira unidade e sentido de álbum. Pedro Rios


DEBUT!
STOP COMPLAINING. MUSIC IS DEAD EP

Partindo do principio que nunca chegará a adquirir as proporções doentias de uma rivalidade quebra-ossos, o fomentar de disputas num meio musical vedado a arame farpado pode ser altamente produtivo em termos de resultados que representem um passo adicional rumo ao lançamento que sirva para definir o momento de apogeu Merzbau aos ouvidos de gerações futuras (isto na eventualidade desse ainda não se encontrar entre nós). Ao abrigo de uma irmandade capaz de se pressentir aos laços entre federações aliadas como a netlabel Merzbau ou Lovers & Lollipops, mas instigados pela noção de que, a partir de apreciação global, será a exploração do ruído a diferenciar Santo Tirso do Barreiro, eis que os Debut! dão por mortificada a pulsação de todo o pós-In Utero e a partir dessa imensa carcaça compõem o adubo que lavram num jardim de cascalho regado a urina extraída à bexiga de Steve Albini. Nesse contexto, o Drive-in que antecede à preposição "at" passa a responder por "slaughterhouse" (matadouro) e a alinhar em tapete rolante condensados da faísca que produz o colidir entre guitarra e baixo chifrudos, berros drásticos ultrapassados em intensidade por berros ainda mais drásticos. Stop complaining. Music is dead distorce as coordenadas do rock até este se encontrar bem perto do ponto de ebulição que o torna irrepetível. A margem de risco será menor que a conhecida a alguns lançamentos vizinhos e aos Debut! não se pede mais do que os dispensáveis 2 minutos e meio de distorção que finalizam “Dry Image”. Espera-se da dupla do Barreiro que continue a atrair referências em estado decomposição até à caverna mortuária que decidiram definir como moradia. MA

Mais informações: www.merzbau.tk

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