Dois selos com escala em Manchester
· 14 Fev 2006 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro

Talvez fosse a alta rotação e farsa fúnebre de “Live Forever” na MTV de meados de 90, as mãos atrás das costas ou os olhos de carneiro mal morto a condizer com a voz de bezerro de saúde fragilizada. Não suportava os Oasis e ainda hoje dedico tempo útil à leitura de qualquer artigo que os achincalhe. Perdi alguns meses numa batalha quixotesca perante a sensação de que os refrões de Definitely Maybe se entranhavam na memória, sem que o meu ódio (agravado pela reprovação (est)ética) filtrasse a aderência de versos auto-destrutivamente imbecis como I'm feeling supersonic /Give me gin and tonic. O alcance publicitário desse slogan fracassou no meu caso. Nunca foi o gin tónico uma das minhas bebidas de eleição. Os primeiros singles de Oasis, sim, ficaram. Guardo-os na mesma gaveta que os dilemas característicos da puberdade.

E quase sempre cabe à puberdade, que faz da juventude madrasta, produzir os primeiros sinais de efervescência que tantas vezes resultam em novos capítulos da longa história da música anglo-saxónica. Percorrer a programação diurna da televisão britânica em zapping é apontar o gatilho à urgência de constituir banda como modo de mandar à merda o desfilar de promessas interrompidas (em concursos, lottos e outros que tais). Tony Blair, tal como Tatcher, ainda representa um excelente alvo para quem necessite de pretexto que sirva ao quebrar do cadeado que veda a garagem. De Yorshire (Inglaterra) e Nova Iorque, chegam-nos relatos – em formato telegráfico – de gente que decidiu contestar o charme almofadado do ócio. Eis, respectivamente, o que os Oasis deixaram escapulir nos primeiros passos (a genuinidade) e o que jamais chegaram a alcançar (a sofisticação negada aos megalómanos). Dois postais carimbados em Manchester (na Melodic). Um por cada irmão Gallagher.

HARRISSONS
BLUE NOTE

Presume-se que a omitir deliberadamente o artigo “the” proteja, até certo ponto, os Harrisons de algumas comparações. Contudo, não escapam estes lads de Yorkshire da associação a alguns nomes sagrados do punk que as ruas do Reino Unido germinaram. O poderoso (segundo) single “Blue Note” confirma as qualidades que permitem aos Harrisons serem pelo menos dignos de partilhar a mesma estrutura sintáctica que os Jam (pela familiaridade com os becos) ou os Undertones (por magia da energia que um dia levou John Peel a emitir “Teenage Kicks” duas vezes seguidas na estação de rádio BBC1). “Blue Note” irrompe da mesma forma que “Love Will Tear Us Apart” dos Joy Division (com uma guitarra acústica aos poucos abafada) e explode num intenso refrão nevrálgico que troca a direcção aos relógios quartz – que assim passam a rodar rumo ao início dos anos 80. Num plano paralelo, vislumbra-se ao lado-b “Shirley’s Temple” o mesmo aspecto retro que Wes Anderson usava para desenhar os contornos quase cartoon dos Royal Tenenbaums - onde o histórico sexual de Margot Tenenbaum (Gwyneth Paltrow) adquiria uma redobrada velocidade alucinante por ser percorrido ao som de “Judy is a Punk” dos Ramones. O intimismo por conveniência de uma relação suburbana é exposto por guitarras cúmplices que revelam parte substancial do que se passou entre lençóis e um “la la la la la” pronto a revitalizar as mnemónicas dos nostálgicos que em tempos tenham ocupado o lugar dos protagonistas. A passagem de Joe Strummer pelo mundo não se sucedeu em vão.

THE ISLES
EVE OF THE BATTLE

Eve of the Battle O caso dos Isles é distinto. Até porque muito mais elucidativa é a designação escolhida para representar o colectivo nova-iorquino. O single que marca a estreia na Melodic é um pedaço do mapa que serve de orientação a quem estiver na disposição de percorrer o arquipélago projectado em forma de sonho por Andrew Geller e restante tripulação. As duas ilhas apresentadas são equivalentemente intrigantes. “Eve Of The Battle” é o monstro envergonhadamente pop que se encontra ao canto de uma dispensa referencial a que os Interpol decidam acender as luzes. “Flying Under Cheap Kites” será porventura o compêndio de pérolas melódicas recolhidas às areias do tal arquipélago. O andamento da frota (existe um EP lançado na Binder) aponta para que um futuro álbum venha a completar o restante mapa. Para já, os Isles parecem muito mais secretistas (e menos interessantes) que os Harrisons – o que pode significar contenção de arsenal a armar em sincronia com o primeiro longa-duração ou bluff por desmascarar assim que esse momento chegar. Não me admiraria se a partir destas primeiras revelações estratégicas viesse a surgir um daqueles discos indie que permanece adormecido durante 5 anos e tem direito a edição luxuosa assim que alcança a marca dos 10.

Site da Melodic - http://www.melodic.co.uk/

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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