50 anos de rock
· 14 Mai 2005 · 08:00 ·

A ÉPOCA.

A facilidade que se tem hoje em frequentar bares e discotecas, sair à noite e falar com quem se quer quando se quer quase faz esquecer a dificuldade de um simples namoro naquela época. Fechada e obtusa, a sociedade de então fazia com que cada momento fora dos olhares atentos das «autoridades» parentais fosse encarada como uma vitória pessoal significativa. A evidência disso mesmo na vida de uma mulher era, facilmente se percebe, mais imediata. Dito de outro modo: os tempos eram difíceis. É verdade que este cenário se alterou mais significativamente durante os anos 60, com o clima que se gerou durante e após a guerra do Vietname e a vontade das massas em trocar a guerra pelo amor. Mas foi Elvis, na década anterior, que deu um passo de gigante rumo ao quebrar de muitos desses hábitos, descabidos nos dias de hoje. Um exemplo histórico poderá ser veiculado pela histórica actuação de Presley no programa de Milton Bearle, em 1956. A televisão era um meio balbuciante, portador dos valores tradicionais, até então pouco explorado e ainda muito inconsciente da sua real capacidade junto dos lares norte-americanos. Elvis tinha um estilo novo. Dançava mais do que as atenções da época permitiam e vestia-se e cantava como os negros... Foi, durante os dias seguintes a essa actuação, um «alvo a abater» por parte da crítica de então. Ele, porém, havia de voltar pouco depois à televisão, para participar no programa de Steve Allen e cantar mais uma vez Hound Dog. Fê-lo com smoking e câmara apontada da cintura para cima, fosse haver algum movimento não previsto... Mas Elvis ia conquistando a juventude de então, que se revia naquela nova forma de dançar e que logo adoptou nova pose, vestimenta e penteado. A sociedade americana mudava... e o epíteto de Rei resultou de uma eleição livre e evidente, amplificada ainda mais por quem, ironicamente, procurava elementos para o condenar. Uma geração inteira, que há muito suspirava e desejava uma liberdade que tardava em chegar, tinha finalmente um representante à altura.

Não foi, porém, apenas a sociedade que mudou desde então. O suporte do som (rumo cada vez mais na direcção do não-suporte) foi-se contrafazendo ao longo dos tempos. Na década de 50 o clássico doze polegadas (diâmetro standard LP) ainda conhecia poucos adeptos, e os álbuns enquanto tal apenas continham alguns hits e outros temas que aproveitavam apenas o espaço disponível em disco. Vingavam os quarenta e cinco rotações (single), mas também uns raros setenta e oito, de pessoas como Elvis Presley, Chuck Berry e Bo Diddley. É verdade que muitos álbuns de Elvis venderam em larga escala, mas tal só aconteceu porque a RCA não conseguiu fabricar tantos singles quantos os que a procura exigia e, impacientes mas também desejosas, as pessoas compravam os que à sua frente primeiro surgissem nas lojas.
Pode, contudo, falar-se de uma época de canções apenas. Cada artista pensava exclusivamente no próximo single, nunca em função de um álbum coerente ou mesmo conceptual. Essa prática começou a ser mais habitual apenas por volta de 1966, com a British Invansion e bandas como Beatles e Kinks. Por tudo isto, quando se tem nas mãos um vinil editado na década de 50 não é só um pouco de material velho que se está a sentir, mas também uma peça de história única – que vai para além da música e passa pela cultura, política e economia, porque a história do rock ’n’ roll abraça todos estes factores.

Cabe também aos anos 50 o apontar do surgimento do teledisco. Estudos genéticos profundamente detalhados parecem indicar com alguma certeza a Elvis Presley e, mais concretamente, à sequência da prisão estilizada, no filme Jailhouse Rock (1957), o pequeno vídeo que ia contra a lógica ortodoxa do género e avançou no sentido daquilo a que hoje se designa por videoclip. A criação regular aconteceria apenas com a década de 80 e a entrada em cena da MTV, mas o que era algo puramente lúdico com a matéria musical começou a afirmar-se como regra. O legado deixado à sociedade em geral e à música em particular, pelo efeito de então, é por isso farto. É ali que se encontra o maior ícone da história da música popular. Mais do que Beatles, Rolling Stones ou Michael Jackson, Elvis Presley assumiu-se com o disco homónimo de estreia como um dos mais populares cantores de sempre. Já alguém disse que os Beach Boys são um pouco de Chuck Berry à mistura com Phil Spector. Outros disseram que o mesmo Chuck Berry influenciou os Sonic Youth na medida em que estes foram influenciados pelos Velvet Underground e estes por Chuck Berry. Enfim, todos os caminhos vão dar à época que viu amanhecer a cultura discográfica.

ORIGEM E DESENVOLVIMENTO.

Ninguém se juntou numa cave escura e poeirenta de Memphis e planeou o rock ’n’ roll, nem ninguém sabia muito bem o que andava a fazer – todos sabiam apenas que os miúdos o compravam insofridamente. Três acordes, com batida de fundo forte e insistente mais uma melodia agradável e cantarolável, foi quanto bastou para fazer deste novo mundo musical uma revolução gigantesca que varreu, de diferentes formas e por diferentes meios, a América de então.

Se é verdade que, como muitas vezes é dito, o rock ’n’ roll foi o resultado do cruzamento do rhythm & blues com a música country e western, também há que ter em atenção que gospel, swing, country, jazz, folk, r &b e de um modo geral a pop mais tradicional, poderiam ser colocados numa mesma batedeira estilística, mestiçadas muito bem e dali provir uma canção baseada no blues. A estrutura seria rápida, dançável e atractiva. Alan Freed, um DJ de Cleveland apaixonado pelo r &b dos negros, mudou-se para Nova Iorque em 1954 e aí começou a organizar espectáculos. O mote e o nome têm o seu brasão: “Rock and Roll”. Soava bem, propagou-se e é hoje um dos termos mais badalados no carrossel orfeico.

No início do século XX era levada de África uma tradição oral e musical forte, de histórias, trabalho e diversão, que foi reforçada e modificada sob condições muito duras. A segregação racial que se verificava nos EUA provocava atritos e guerras frequentes entre as diversas partes. No Sul os brancos tinham as suas próprias convenções musicais: canções quase sempre religiosas e profundamente devotas, a maior parte das vezes cantadas na Igreja. Deixar que os negros assolassem com uma nova sonoridade? Nem pensar... Mas os afro-americanos foram absorvendo ambas as correntes e a entrada em cena do jazz possibilitou a criação de bandas maiores e com elementos rítmicos mais corpulentos. Em 1950 existiam nos EUA cerca de 15 milhões de negros, que continuavam a lutar por mais e melhores oportunidades. Os primeiros deles conseguiam finalmente alcançar os estudos universitários...

Muitas das canções do início da década reflectiam, genuinamente, a disposição pós-Segunda Guerra Mundial e pessoas como Pat Boone, Rosemay Clooney e Perry Como dominavam os tops. Os negros começavam a ganhar popularidade, mas não vendiam tanto como os brancos contemporâneos. O sucesso do rock ’n’ roll chegaria, de resto, quando Sam Phillips conseguiu colocar os primeiros a cantar música destes últimos, libertando-o assim de muitas das etiquetas que eram à partida coladas. Do norte vinha agora o doo-wop, que consistia genericamente em grupos vocais com vocalistas de diferentes papéis a solo e de interacção simultânea a determinada altura, muitas vezes com sons sem sentido ("doo-wop" procura expressar esse nonsense silábico). Base do r&b e praticada essencialmente pelos jovens negros e italianos, com Drifters e Dominos no pelotão da frente. Do sul chegava o rockabilly, cruzamento entre country, western e rhythm & blues: essencialmente dos nativos americanos. O primeiro Elvis Presley (dos singles da Sun) e Bill Haley são, de 1953 a 1955, os mais pronunciados representantes. Em Chicago, os irmãos Phil e Leonard Chess pegaram no melhor do blues negro e começaram a gravá-lo na sua Chess. Por ali passariam Muddy Waters e Chuck Berry.

Não existe consenso quanto ao apontar de um disco como o primeiro do rock ’n’ roll. As primeiras manifestações discográficas de Jackie Brenston, Lloyd Price, Hank Ballard, Big Joe Turner, e Fats Domino têm grandes reivindicadores, mas não parece haver grande consenso entre os historiadores. Contudo, o disco mais frequentemente apontado como o dianteiro da era rock’n’roll é o clássico Rock Around the Clock de Bill Haley & His Comets, que, mesmo tendo tardado quase dois anos a atingir o número 1 da tabela, arrebatou tudo à sua volta. Um pouco menos cotado, mas igualmente importante, será Heartbreak Hotel, de Elvis Presley. Nenhum outro antes conseguiu semelhante impacto aos olhos do mundo. Buddy Holly chegou mesmo a dizer: “Without Elvis, none of us could have made it”.

Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net

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