Dependência
· 16 Fev 2005 · 08:00 ·
Nos últimos tempos recuperei alguns velhos hábitos. Tenho percorrido a memória ouvindo discos que pareciam estar perdidos em caixas algures no meio de uma mudança. Ouço música e faço-o na companhia de inúmeras velas colocadas estrategicamente no sótão. Brancas, vermelhas, alaranjadas. Ardem devagar. Derretem ao ritmo dos sons e da lentidão com que a caneta vai percorrendo as folhas, deixando palavras, frases e ideias pelo caminho. Música. Tudo gira em torno dela - essa forma de arte que declama poesia através de sons. De Joy Division a António Variações, passando por Mão Morta e acabando em Starlux e Genius Loki, são vários os nomes que vou ouvindo noite dentro. Passado, presente e um quê de futuro. Devoro música com a mesma sofreguidão com que um homem desidratado engole água depois de dias à deriva no deserto. Violo-a. Arranco-lhe tudo o que tem para me dar de bom, seja raiva, mágoa, alegria ou prazer. Uso-a como inspiração para escrever. E faz-me pegar outra vez na caneta, brincar com as teclas e sair por esse mundo fora em busca de coisas novas. Voltarei a escrever sobre o que ouço, vejo e leio. Vomitarei todas as palavras que guardei durante estes meses nas entranhas da minha mente, escondidas, assustadas, receosas de sair para fora e serem emboscadas em plena luz do dia. Sou doente por sons. Viciado em canções. Por isso farei aquilo que me dá prazer, o prazer que mais identifico com o que se aproxima do orgasmo carnal – o musical. Ou não fosse maior o prazer quando se ouve… E por agora é tudo o que tenho a dizer. Isso e que o universo musical português vai proliferar nos próximos meses. Já se sente o cheiro no ar. São espaços que abrem. Concertos que ocorrem. Textos que se escrevem. É a música a acordar de uma sesta deliciosa. São os concursos como o Rockastru´s ou o Rocktaract. São os discos de Ezspecial, Old Jerusalem e outros tantos que se adivinham. É o ressuscitar das editoras independentes no horizonte, em particular a Bor Land que apresenta uma linha editorial para 2005 que envergonha qualquer multinacional. É a insistência de uma dúzia de pessoas que continua a acreditar. É muita coisa boa que se mostra e mostra mas também tem direito ao seu momento de descanso. É ano novo vida nova. É reflexão. É colocar em prática as ideias que fazem da música aquilo que ela é: bela.
Jorge Baldaia

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