Editoras de Papel
· 25 Mai 2004 · 08:00 ·
Quando a 17 de Setembro de 2002 o single Daisy, dos Ezspecial, foi distribuído gratuitamente com o semanário Blitz, muitos não esperariam que se estivesse a dar início a uma espécie de febre – para não dizer moda – discográfica, com álbuns a serem editados através de jornais e suplementos musicais a um ritmo quase semanal e sempre a preços convidativos. A responsabilidade é partilhada por alguns meios de comunicação social e editoras independentes, como a Metrodiscos, Volume, Transformadores, Bairrista! ou Cobra. Ao que parece, o sucesso desta nova táctica editorial está a dar frutos. Mas será sempre assim?

O recurso aos meios não tradicionais na edição de discos não é novidade. Há já alguns anos que se vem assistindo a esta tendência, porém resumia-se a um universo que contemplava as compilações e colectâneas, nunca álbuns de originais, muito menos de forma continuada e assídua, como é o caso actual. E temos alguns exemplos. A extinta ProMúsica desde a sua criação, em 1997, vinha lançando compilações de projectos da nova música portuguesa. Também a saudosa revista ON, d`O Independente, entre 1999 e 2000, chegou a editar compilações com artistas estrangeiros e nacionais e, posteriormente, apenas com os segundos através dos CD promocionais NorteSulPressON. Entretanto, foram surgindo novas publicações e hoje temos os CD e DVD da Rocksound, Lusobeat, Hip Hop Nation e Dance Club. Podemos ainda referir a edição de compilações temáticas, como a mais recente do Público sobre o Fado e, brevemente, de DVD de concertos e afins que serão distribuídos com o Diário de Notícias. Como se constata, estamos perante “novas editoras”, feitas de papel, que começam a dedicar-se a todo o tipo de edições, do disco ao livro. Concorrência desleal para com as grandes editoras e as lojas? É-me indiferente enquanto consumidor. Adquirir cultura a preços reduzidos começa a tornar-se num hábito saudável. O que podemos retirar desta ideia é que a sobrevivência da imprensa escrita está a passar por este novo processo de “distribuição” de cultura. Se isto se tornar num fenómeno quem irá sofrer consequências? Culparão, depois, as grandes multinacionais, jornais, revistas e editoras independentes, da mesma forma que o fazem agora com os downloads? Será que terão nas lojas de discos um novo aliado? Ainda é cedo para abordar estas questões, mas convém ir pensando nelas pois, a seu tempo, serão motivo de variados debates.

A edição de álbuns com o Blitz e, recentemente, o DNa Música, é mais um sinal que existem pessoas com vontade de mudar o que está mal e, principalmente, em fazer chegar junto do público a música portuguesa que tem, efectivamente, qualidade. Exílio, do Quinteto Tati, ou Nus, dos Mão Morta, são apenas dois exemplos dignos de registo. E isto ainda é o princípio. Agora, há que pensar no aspecto “banalização”. Ou seja, não deixar que este veículo de edição se torne em algo que descure a qualidade. Nesse sentido, há que ter em atenção a habitual tentação para o lucro fácil, sendo aconselhável uma gestão racional em termos editoriais, evitando um presumível desinteresse da parte do consumidor e consequente derrota para quem tenta inverter a actual situação, onde os preços astronómicos estão a cansar a indústria discográfica que, convenhamos, precisa de se renovar para voltar a reconquistar “um” mercado. E só o conseguirá fugindo das sombras onde se esconde, como o IVA e o download ilegal. Chega de bodes expiatórios. Há que partir para a acção ou, num futuro próximo, terão os discos ao alcance de uma tecla ou de um quiosque perto de si.
Jorge Baldaia

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