Lusitânia – O caldeirão das vítimas II
· 02 Mai 2004 · 08:00 ·
Nas últimas semanas tenho recebido bastantes e-mails com todo o tipo de críticas, denúncias de conspirações e outras coisas que não interessa enumerar. Aproveito esta coluna para tentar, dentro do possível, responder a todas as questões que me foram colocadas pois, de alguma forma, acabam por rodar em torno do universo musical português. A resposta:

À medida que me vou embrulhando neste mundo que é a música, mais consistência vai ganhando a ideia que a culpa do insucesso das bandas portuguesas é, em grande parte, delas próprias. Na generalidade, quando se quer muito uma coisa é preciso sacrifício para a alcançar. Não se é músico de um dia para o outro, muito menos se vive da música mal se começa a tocar. Primeiro há que aprender, depois compor e, finalmente, partilhar os sons. Nesta “fase†há quem se dê bem e quem não tenha a mesma sorte. A vida é assim mesmo.

Aos músicos que se queixam que têm que trabalhar (quando ouço estas coisas fico sempre com a sensação que o trabalho deve ser uma coisa muito má…) para alimentar um sonho, apenas lhes posso dizer para se aguentarem. Não são, por certo, os únicos que necessitam de trabalhar em profissões diferentes antes de conseguirem sustento através da música (diga-se de passagem que é um número muito reduzido que, efectivamente, o consegue em Portugal). Tenham uma atitude positiva e invistam as vossas poupanças em bons instrumentos.

Aos que se queixam de não ter dinheiro para os comprar, na sua maioria estudantes, um conselho: um part-time não faz mal nenhum. Se é difícil conciliar trabalho com escola… Quando se gosta daquilo que se faz há sempre tempo. É tudo uma questão de saber gerir os dias.

A quem se queixa do IVA praticado com os instrumentos, e muito bem, aquilo que posso dizer é que não deixem de lutar pela sua descida. Eu sei o que sentem. Os computadores também são muito caros… os meus colegas e eu precisamos deles para criar e prestar serviço público, porque é isso que fazemos, dando a conhecer novos sons. Não são só os músicos que têm esse problema com o IVA imputado nos preços do material usado para a criação artística. São os escritores, os pintores, os designers, estilistas, artistas plásticos e outros tantos. Todos têm razão de queixa, ou será que nunca pensaram nisso?

O discurso da vítima, comigo, nunca provocou qualquer efeito de solidariedade, pelo menos no que respeita ao infortúnio do músico esmagado por um sistema que mina todas as oportunidades. Esse tipo de discurso fica bem ao senhor Dias da Cunha. Para a conversa lunática, os radicalismos e as manias das perseguições tenho um caixote do lixo. Na música a vítima é aquele que é enganado e usado – não necessariamente o músico, mas também muitas vezes todos os que estão envolvidos no universo musical. Essas histórias de ter que acordar cedo para ir trabalhar, de que os concursos estão viciados e que isto é tudo uma conspiração soa-me a conversa de mau perdedor. Claro que há casos e casos e, muitas vezes, os músicos tocam e não são pagos (às vezes é ao contrário…), são tidos em pouca consideração pelo facto de a sua sonoridade ser alvo de “preconceito†(há quem até seja favorecido por isso), etc. Os problemas existem de parte a parte. Se dissesse o contrário estaria a ser injusto.

A conclusão a que se pode chegar, correndo sempre o risco de ser considerada uma autêntica barbaridade, é que quem anda nestas lides da música e está à espera que o caminho para o reconhecimento seja fácil, então que comece já a tratar de arrumar os instrumentos porque cada vez é mais difícil. A concorrência não pára de aumentar e a diversidade também. Depois existem as modas. A coisa não está fácil e quem se aguenta é por dois motivos. 1º Porque é bom e acredita naquilo que faz. 2º Porque se esforça e sabe delinear uma estratégia a pensar no futuro e nunca no imediato. Deitar as culpas nos outros não é solução. Mas talvez o seja apanhar um táxi de regresso a casa.
Jorge Baldaia

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