À sombra dos outros
· 12 Abr 2004 · 08:00 ·
Há quem defenda que o futuro de Portugal passa, em grande parte, pelo turismo. Eu acredito que sim. Basta olhar para a nossa costa marítima, clima, gastronomia, tradições, monumentos e cultura. Temos tudo para nos impormos como um destino turístico de referência. Conscientes disso, os sucessivos governos têm apostado, nos últimos dez anos, na promoção de Portugal além fronteiras. Se o ICEP o tem conseguido fazer da melhor maneira ou não, as opiniões dividem-se e com argumentos de peso para ambos os lados. A verdade é que a grande aposta tem passado por traze-los (aos turistas) até nós, sempre a pretexto da organização de grandes eventos. Depois de Lisboa (1994) e Porto (2001) terem sido Capital Europeia da Cultura, com a EXPO`98 pelo meio, eis que vamos receber, este ano, aquele que é considerado o 3º maior evento mundial desportivo, o Campeonato da Europa de Selecções em Futebol, mais conhecido como Euro 2004.

Seguindo a tradição de eventos do género, também em Portugal teremos uma festa de abertura e uma outra de encerramento. Faz parte da praxe, tal como a existência de um hino ou “canção oficialâ€. Neste caso específico, a escolha recaiu sobre “Forçaâ€, um tema da autoria de Nelly Furtado. “Força†faz parte de “Folkloreâ€, editado em Novembro de 2003, e é cantado, maioritariamente, em inglês. No big deal. Em Junho teremos uma versão totalmente portuguesa.

A mim, como já o expressei no passado, tanto me faz que os artistas cantem em português ou não. É-me indiferente. No entanto, neste caso, a minha opinião não é assim tão “liberalâ€. Se a decisão me coubesse acreditem que escolheria um artista português - a cantar em português - um tema que representasse a cultura portuguesa. Neste campo temos duas opções: a música popular ou o fado. É uma coisa nossa, identifica Portugal no exterior e eles gostam. Porquê, pergunto eu, escolher uma canção pop cantada por um artista que nem sequer é português? Por ser luso descendente e o seu nome ser reconhecido por uma fatia considerável da população mundial? Mais uma vez é o típico preconceito da inferioridade portuguesa a vir ao de cima, sempre camuflado por uma grandeza exterior falsa.

A Nelly Furtado nasceu em Victoria, British Columbia, Canadá, 1978. Em qualquer dicionário de música actual é assim que ela é apresentada, como sendo canadiana. Claro que as suas origens são mencionadas, mas porque ela faz questão disso. É bem pensado, é um facto, porque fica sempre bem. Depois há uma identificação com os portugueses e abre-se um novo mercado. Pode-se constatar que Portugal está a tentar “adoptar†a Nelly Furtado, da mesma forma que os espanhóis o tentaram fazer com o José Saramago. Ou seja, quando convém.

Perante isto pergunto-me sobre o que é, afinal, música portuguesa!? Para muitos ela é toda a música feita por portugueses. Alguns dirão que é a feita em Portugal. Haverá quem ache que seja o fado e a música popular – o resto é tudo importado. Teremos ainda os que defendem música portuguesa como aquela que é cantada na língua de Camões. Eu vejo-a como um disco de vinil. De um lado a música que é só nossa e bebe da nossa cultura e tradições. Do outro aquela que é feita em Portugal seja hip-hop ou metal.

Voltemos à Nelly Furtado. Provavelmente, as vozes que defendem a sua costela lusitana são as mesmas que, quando o último anúncio da Nike começou a passar na televisão, apareceram a criticar o Luís Figo por ter dito “Olé†e “Que passa†com sotaque espanhol. Há ainda o chamar pelo Totti com sotaque italiano… a mim preocupou-me mais o banho de bola dos brasileiros que está subjacente. Podemos até ficar indignados, mas quem paga o anúncio é a Nike, que não é portuguesa. Mas o Euro 2004 é “português†e aí as responsabilidades são nossas. Se o que a Sociedade Euro 2004 pretendia era um nome com representatividade poderia ter optado pela fadista Mariza, pelos Madredeus ou até mesmo a Dulce Pontes. Porque não? Têm ou não tido destaque lá fora? Em vez disso escolheu-se uma canção qualquer (que não foi sequer escrita a propósito do evento) de uma artista que fala um português mal amanhado e que deve estar radiante, lisonjeada e mesmo orgulhosa por ter sido escolhida ao ponto de, em sinal de agradecimento, ter anunciado que só vai poder cantar “Força†na grande final. Sim, porque apesar de estar em Portugal no dia 10 de Junho que, ironicamente, é o Dia de Portugal, Camões e das Comunidades, no de abertura do Euro 2004 (a 12 de Junho) tem outros compromissos. Caso para dizer que, como sempre, aos de fora tudo é justificável porque são bons, enquanto que o que é nosso não é devidamente valorizado e fica onde deve ficar, à sombra.
Jorge Baldaia

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