Lusitânia - O caldeirão das vítimas
· 29 Abr 2004 · 08:00 ·
A equipa redactorial da Rocksound, na última edição da revista, assina um editorial onde desabafa acerca da incompreensão de muita gente ligada à música, lamentando “a santa ignorância e o contínuo discurso da banda coitadinha papada pela indústriaâ€. Este desabafo surge na sequência de um projecto da revista, que consiste na elaboração de dossiers destinados a todos os estilos, da pop ao hip hop. Ao que parece houve quem ficasse incomodado por não ter sido escolhido e, pelo que se lê nas entrelinhas, nem pensaram que mais poderia estar para vir. Outro caso da habitual precipitação da parte de bandas portuguesas, a acrescentar à já longa lista existente, acompanhada da inevitável lamúria - sempre causada pela falta de oportunidade, indiferença e desprezo da indústria, com os media a serem apontados como “muito†culpados pela falta de projecção dos projectos nacionais.

A música portuguesa será mesmo relegada para segundo lugar? Não acredito nisso. Durante anos fui apenas um consumidor de música. Adquiria um pouco de tudo. Nunca vi a música portuguesa como algo desprotegido e relegado para segundo plano. Aliás, era bem evidente, para mim, que aquilo que era bem feito obtinha reconhecimento. Tanto ouvia The Smiths e Pixies, como Mão Morta ou GNR. Uns anos depois vi-me envolvido de forma mais profunda com a música. Mesmo aí mantive a convicção que, quando se faz bem, mais tarde ou mais cedo o reconhecimento bate à porta. Actualmente, tenho a certeza absoluta que é assim. Não importa se é punk, funk, metal, rap, jazz ou rock. Interessa sim que seja tocado com talento, paixão e criatividade. O resto são meros adereços que dão uma pequena ajuda – a ideia dos media fazerem bandas é um mito, pelo menos em Portugal.

As bandas portuguesas, na sua generalidade, sofrem de um síndroma patológico a que chamo ODIPAR - O Discurso do Infeliz é Preferível Ao Risco. Ou seja, o medo da crítica suplanta o da vontade de se darem a conhecer, isto na óptica da relação músico/crítico. Mas este não é o único problema. Existem algumas disfunções graves de cariz narcisista. De longe a longe, chegam-nos envelopes no mínimo anedóticos e incompreensíveis. À partida pensa-se que é brincadeira, mas quando não se apreende qualquer tipo de ironia e os e-mails se tornam insistentes... Mas será que as pessoas não têm consciência daquilo que fazem? Esperar pelo momento certo e aproveitar esse tempo parece ser uma virtude que pertence a muito poucos. Infelizmente é assim.

Recentemente, estive presente na IX Conferência do Diário Económico, desta feita intitulada “Euro 2004 - O Impacto na Economia Portuguesaâ€, que decorreu no Europarque, em Santa Maria da Feira. Um dos oradores foi o senhor André Jordan, que elogiou o profissionalismo e a dedicação dos portugueses na organização de grandes eventos (a Porto 2001 deve ser a grande excepção). Porém, referiria que era só mesmo aí, porque no dia-a-dia não se verificava o mesmo. “Que se organizem eventos muitas mais vezesâ€, constatou. É um facto, e na música parece suceder o mesmo. As maquetas e os discos só parecem circular durante a organização de concursos e festivais. Este é um mal geral - o do desleixo e da inércia, adjectivos que me irritam profundamente e para os quais, em grande parte dos casos, não há justificação.

Nas últimas semanas pedi a algumas pessoas que me enviassem maquetas e discos, não só para ouvir, mas também para levar até aos microfones da Rádio Fnac. Poucos o fizeram e, por pura coincidência ou não, quem o fez é provavelmente quem menos precisa de projecção (em comparação com os outros). No entanto, este tipo de situações torna-se mais “caricato†quando me pedem os contactos para envio de trabalhos. Estranhamente, contam-se pelos dedos os que efectivamente os enviam. Para quê pedir uma morada se depois não se envia o que quer que seja? Arrependimento, medo ou paranóia? Provavelmente, são novas técnicas de promoção que desconheço.

Abordando agora a temática da promoção, tenho verificado que a maioria das bandas portuguesas não se preocupa com a imagem. É frequente vermos indivíduos em cima de um palco a destoar (a sensação é a de estarem a mais). Mas isso até nem é o mais grave. Pior que isso são as maquetas mal amanhadas, acompanhadas de nada ou então com erros ortográficos grosseiros. Não vale a pena vir com a velha história que o que importa é a música e o conteúdo. Têm razão, mas os olhos também comem. E se o ouvinte já fica satisfeito com o que vê, imaginem o impacto que não sentirá se o que “come†é saboroso. Como eu disse em tempos, a qualidade do produto, no seu todo, implica dedicação e empenho naquilo que se faz. É aqui que se identifica a barreira que separa os bons dos medianos. Ela existe em todo o lado. Não é por acaso…
Jorge Baldaia

Parceiros